cais do silêncio
descendo o chiado, recitam-me cesário verde. cheiramos ainda o tejo, na laranja ao entardecer, fruta-baco
do rossio.
agora, pelo meio desta arcada, séculos de estórias a ouvir, cheiro grão e mendigos e, assim, consigo perceber que me falta a baixa para escrever uma história.
a imaginação tem todos os marqueses que houver; e o diabo
a sete.já não há avô, nem senhora das castanhas, ginja trincada na espuma da infância. falta-me, até, o homem-elefante, tanta tragédia concentrada.
e eu a perder todos os táxis que galgam a avenida, marcha nupcial do tempo que morreu, aventura do que a vida nos permitirá ainda. sonho que o pesadelo acabe: preciso
de gomos e gomas de laranja e cesários novos.
e todos nós somos pessoas-génios e sidónios-estampas, selos de uma colecção por descobrir. todos somos seiva e murro, gruta e esperma, sorriso e trampa, cogumelos na prancha
do bosque.
descendo o chiado, clique-se então a revolta e mande-se para trás das costas o gelo (e gravatas todas no lixo!).
e então habitamos o cais do silêncio.
lisboa (12 de junho de 2001)