se...

se, nos teus olhos, na argumentação frígida das palavras, na ilusão do ébrio, fosse eu, mandava construir uma estátua de mim.

então, beijaria o vento, vibrando no sexo do mar, trespassando distâncias. sopraria na noite, perder-me-ia nos enleios de camas alheias, corpos, carnes, tremores alheios, fraternidades ocasionais em ebulição.

se, no cigarro ofusco, crepuscular, na púrpura seda

da realização, no dever que se quer cumprido, nos devaneios de outrém e da terra em sangue, fosse eu, sê-lo-ia

sem o ser, relâmpago amigo, consciência, consagração, sem escrúpulos.

se, nas linhas que coso, glória existencial parda, tudo conseguisse absorver, no quarto, na rua, em mim, plantasse árvores na avenida dos homens, inscrevesse meu nome

no registo da humanidade, violar-me-ia em candura, sabendo ser o futuro magia do desejo.

se, na amargura feliz em doses fáceis, fosse eu, seria também tu, ele, ela e eu, vivendo dessa forma, mergulhando nos outros, ao mergulhar em mim.

e só depois descreveria uma rosa.

torres vedras, novembro de 1992

Nuno Trinta de Sá
Enviado por Nuno Trinta de Sá em 29/12/2005
Código do texto: T91519