transcendências (o cântico do rouxinol)
já não ouvia o cântico do rouxinol. o sol frio entristecia-me. estava cansado. o meu verde, pálido se tornou, sufocado pela náusea que provocava os sentidos. o vermelho não vivia, não lutava, não construia o mundo ao seu modo.
as outras cores não existiam, e as que existiam, eram apenas sombras, inocentes fantasmas.
de súbito, num acto tresloucado, e rompendo com a inibição que pairava no ar, peguei no incivilizável pincel e comecei a pintar. imagens, sons, movimento, guarneciam a minha mente e o quadro progressivamente se tornava indómito.
o pincel irradiava candura, em contraste com a fogosidade da minha mão ao metamorfosear a janela do tempo.
comecei a evadir-me e só parei quando descobri felicidade
no meu coração.
então reparei que o céu não era azul, branco e cinzento.
era verde e vermelho, nos seus tons mais lindos,
e era-o só para mim.
turcifal (primavera de 1990)