Rivotril

Rompi a barreira. Os dedos, as mãos, os braços, os ombros, pescoço, tudo. Voei por sobre as casas. Voei longe. Vi os vampiros da noite, andando nas ruas, sob o sol. Caixões se abrindo e se partindo. Minha alma sendo corroída aos pouquinhos. Lágrimas escorrendo, doidas. Crianças gritando aos meus ouvidos, pedindo paz! paz! Eu sorria, calmamente...

Rompi a barreira. Todos foram por mim e eu não aceitei a troca. Queria uma chance de mostrar o amor que sinto. Mas eles não deixaram. Não deixaram eu me ser, não me deixaram ser eu. Eu piro. Eu giro em torno de mim mesmo, velozmente, rotações, estações. Tenho satélites, anéis, luz própria. Estou perdido em minha própria órbita. Sorrindo, calmamente...

Rompi a barreira. Para o desconhecido, sigo. Setas sem sentido me guiam. Sigo. Repito para mim mesmo: para o desconhecido. Sigo. Eu, em frente, eu atrás, eu, meu guia, eu, meu bando. Sigo. Não consigo tirar os olhos... E, logo ali, na placa defronte: o desconhecido. Eu sorrio, calmamente...

Rompi a barreira. Matei três, só naquele dia. Tomei banho de sangue de gente grande... Cabelos duros, olhos ejetados, mãos para trás, totalmente esticadas, língua pra fora, em transe. Todos os espelhos quebrados – pai, mãe, irmã... A casa revirada. Um bilhete escrito às pressas. Dor, muita dor. Muita tristeza. Eu gargalhava, calmamente.