2 alto

Em concordância, meti a mão por baixo e segurei firme. Não o vira antes, mas o queria já. Olhei dentro dos olhos e encarei sério. É pegar ou largar? Meus sentidos não mais faziam sentido naquela hora. Naquela hora, senti dó de tudo em mim. Alastrando perfume pelo recinto, relaxando os músculos na poltrona antiga e desgastada cheirando a velhice, eu queria um batom para corar o lábio e escurecer a tez.

2 e meia, meia até o alto, alto de alguma bebida com k, caralho apertado pela calça número menor, menorzinho na xícara fumegando, me esperando bebericar uns poucos goles até sorvê-lo inteiro, três gotas contadas no fundo da Schmidt, eu previa. Olha o relógio, vinte para as cinco, estendido ainda na poltrona que pertencera a Luís XVIIIIIIIIIIIIIIIIIII. Coisas que ninguém sabe explicar, replicar, complicar, aplicar, etc. Não se preocupe comigo, estou quase lá... Foi quando alguém disse que era para eu meter a mão.

Só algumas tiras e uns drinks coloridos cujo sabor era algo conhecido, mas eu, sinceramente, não me lembrava muito bem. Fomos. Entramos pela porta enluarada e vimos todos ainda lá, mas já cansados, jogados às traças, e as garrafas perdidas em meio à fumaça fedorenta dos cigarros de marcas variadas e ao som indecifrável vindo das caixas enormes escanteadas. Ninguém queria se dispor a comprar mais nenhum retalho e eu já malhado e esquecido do tempo, relembrando as minhas últimas horas de viagem, relembrando lua, estrelas, planetas, cometas e astros inomináveis acesos na ponta do incenso que tentava perfumar o ambiente biodegradante, olhei pro pulso que gritava duas e trinta.

Desci pela porta da frente, ninguém me viu além dos marcianos verdes que esperavam minha chegada ansiosamente, desde ontem, desde sempre, excelentes anfitriões. Ri muito de suas antenas serelepes, dos vários tons de esperança estampados nos rostos de cada um deles, dos seus movimentos inimitáveis e das vozes embargadas e quase inaudíveis. Ri mais ainda do que serviram para jantar, porque era noite de sol crescente, e minha barriga roncava mal-educadamente, um dragão preso em um poço profundo: tomates verdes fritos. Depois, iríamos a um galpão abandonado da periferia, fora do perímetro urbano, onde rolaria uma música hipnótica tecno e usaríamos drogas como Ecstasy e LSD, conforme o panfleto. E como eu não queria chegar atrasado para o baile para o qual eu já estava atrasado.

Saí de casa apressado, sem maquilagem, não queria perder um só minuto, mas, na verdade, eu não tinha nada para fazer naquela noite e então escolhi a única coisa que me restava, última hora. Eu não conhecia ninguém - essa era a minha maior preocupação... Um flyer qualquer, um convite desses que você não quer recusar – jantar seguido de festa dançante - mas ir só, fica pensando, seria roubada? Passa-se um monte de coisas por nossa cabeça, mas a vontade é sempre maior que a cautela, em alguns corações. Tanto fora, nem me olhei no espelho e fui-me lançando no foguete, semi-pronto para partir.

* 2 (dois) alto (gíria baiana): pedido para que se pause uma brincadeira, geralmente usado numa situação extraordinária que exija a pausa; mais utilizado em pega-pega, pique-esconde ou em qualquer outra onde haja alguma espécie de perseguição.

Teco Sodré
Enviado por Teco Sodré em 28/03/2008
Reeditado em 20/09/2009
Código do texto: T920336
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