Conflito

(...)Pai, onde você está?! Cadê a sua mão? Ouça os meus gritos onde você estiver. Cada dia que passa, mais sinto medo de tudo, mais tenho vontade de fugir para longe de mim mesmo. Esconder-me entre os ombros dos impuros, entre as vozes dos loucos e das vestes das velhas prostitutas. É possível que você não reconheça mais este seu filho: meus cabelos estão grisalhos, meu cachorro perdeu a dentadura, a rua onde agora moro, é um beco sem saída.

Lá fora, do outro lado do muro, tudo é festa, tudo tem aspecto de novo; a vida parece mais alegre, as crianças mais felizes, as casas não precisam de chaves, nem as grades são tão avantajadas.

De noite, quando a lua se dependura no ramo da figueira e teima em não cair, é como se os anjos a sustentassem num derradeiro esforço, é como se eu me desse por inteiro no mais sublime dos meus parcos esforços, para que a galha não rompa e o sol não venha a roubar de mim, meu único momento de clarividência divina.

__ Pai! Todos os dias, todas as mulheres, todos os filhos, choram por mim. E mais, infinitos deuses, deuses que nem conheço, de várias catedrais de várias partes do mundo, rezam por mim. São deuses de todas as crenças e credos. Mas sem suas mãos calejadas e firmes, jamais me levantarei, jamais serei seu espelho, ou, quem sabe, sua sombra?

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 30/03/2008
Reeditado em 02/04/2024
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