“O horror... o horror...” *

Doer as vistas... Tanta luz. Tanta beleza.

Seria suficiente ser somente belo? Por que, para quem ama, o feio, bonito lhe parece? A beleza é um atributo ou um sentimento? Por que, ainda que julguemos ser repugnante, nossos olhos sentem-se atraídos por imagens de violência, de dor, de miséria, de abandono, de tristeza?

Creio na beleza como creio no poder da bomba atômica: uma arma de destruição em massa.

O ‘ser ou não ser hamletiano’ se desfaz, se encolhe, se retrai diante da beleza: vileza, crueldade, sadismo...

Doer as vistas, até sangrar o peito. É a beleza que instiga, que consome, que devora, que extermina. É a beleza que faz o desejo parecer mais forte, que faz o ser humano parecer mais poderoso, menos humano, mais divino. É a beleza que entorpece, que vicia, que hipnotiza, que confunde. É a beleza que incomoda, que machuca, que humilha, que indefere. É a beleza que escolhe. É a beleza que exclui.

E as vistas, cansadas, ardidas, turvas, doloridas do belo, não sabem se continuam a fitar o milagre, ou se o temem e se esquivam dele. Tudo o que nos toca os olhos, nos engole. Somos absorvidos pelo que vemos e passamos a querer o mundo inteiro em nossas (pequenas) mãos, queremos abraçar tudo com as pernas, e nos tornar parte da mágica que a beleza efetua em nosso olhar. Queremos guardar o que desejamos em nossa gaveta, ou em nossos bolsos. Somos crianças numa loja de brinquedos, somos cachorros assistindo galetos assando num forno de rua...

Doer as vistas é se masturbar com os olhos: desejar a coisa linda sem obtê-la, querer sem poder tocar, imaginar como se estivesse ali, ao nosso dispor, para nos satisfazer sempre que quisermos – nós, os eternos insatisfeitos – doer as vistas é doer a mão de tanta punheta – um gozo imperfeito, incompleto, rarefeito, solitário. É... Doer as vistas é estar só... Contemplar o sonho, ainda acordado, e ter a consciência de que a realidade é idêntica.

O que nos entristece é que o sonho nós podemos chamar de nosso...

“Se tivermos força suficiente na alma, poderemos rasgar o véu e olhar direto para a beleza crua e terrível; deixar que Deus nos consuma, nos devore, nos descarne. E, depois, nos devolva renascidos”.

TARTT, Donna. A História Secreta. 1995. Companhia das Letras.

* Cel. Kurtz – personagem de Marlon Brando no brilhante Apocalipse Now, de Francis Ford Copolla.