AMOR EVENTUAL

Mornas tardes de verão! Suaves brisas serpenteiam entre as folhas verdes das amendoeiras vadias, desmanchando-se no meu rosto em forma de prazer com cheiro de maresia. O som é semelhante àquele proveniente do caramujo quando encostamos ao ouvido.

Um veleiro aproxima-se deslizando sobre a superfície das vagas, como esqui puxado por lancha invisível.

O casal de namorados, mãos entrelaçadas como se fossem uma só, sentado na balaustrada do deque de madeira, parecia alheio ao pôr-do-sol que ensaiava as primeiras cores.

Não quero especular sobre as questões do amor, mas sinto-me tentado pelo clima de romance contagiante espalhado pelo ar, como um vírus benigno, daqueles que todos gostariam de pegar.

Duas pessoas: duas solidões separadas por distâncias infinitas, que eventualmente se juntam por um amor infinito. Que tentativa inútil de definir o indefinível! Não há que se falar em amor eterno dos poetas nem da quimera das bolas de sabão. O amor infinito é o cimento que une as duas solidões, mas só eventualmente.

Hoje a praia é só cheiro de algas, colorindo de verde a areia branca. Um odor de outrora, lembra a pesca de camarão no limo, em cesto de bambu. Um tempo em que o camarão fazia questão de existir. Não tínhamos tempo para pensar nas questões do amor, embora o amor veladamente fizesse parte das nossas vidas.

Unindo-se duas solidões, teremos uma não solidão, mesmo que eventualmente.

O vermelho finalmente chegou misturando-se ao verde das águas. O céu azul ficou todo manchado, renovando a sensação da presença do Criador. É o amor infinito que diariamente desce do firmamento a lembrar-nos a existência de algo além da nossa vã capacidade de pensar.

Ao longe, gaivotas movem-se como bailarinas num palco invisível de ar. Bailam movidas por ritmos frenéticos cheios de maresia e graça, como se esse bailar fosse a razão das suas vidas aladas. Ou quem sabe, apenas um gesto gracioso para saudar minha presença na praia? Quisera eu bailar como elas, mas bloqueios desconhecidos me impedem, e como pedras me ancoram firmemente ao chão.

Mais uma vez a sensação do amor me invade a alma. Olho a minha volta. Os namorados, objeto desta divagação foram embora antes do ato final do espetáculo.

Imagino-os agora, mãos dadas como se fossem uma só mão, dirigindo-se ao entrelaçamento do amor, a fim de unirem suas solidões num amor infinito, mesmo que, e sempre, eventualmente.

23/02/2001

Paulo Orlando
Enviado por Paulo Orlando em 31/03/2008
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