Que por baixo da superfície das coisas, haja vida.

Que por baixo da superfície das coisas, haja vida.

Que acima de nós: perigo! (pois uma vida plana apenas engana, transcorre e não se sustenta).

Que no fundo haja substância, clemência, insolência. Que sejamos capazes de dar um passo a mais.

E que no fim da rua, posto que não acredito mais em estradas, não se encontre um fundo cego.

Que nas reentrâncias se acomode aquilo que irá ficar.

Que a escova lave, com seu sabão iodado, o que pelo ralo vai.

Que nas entranhas a bruxa leia, sem mais, futuro e paz. Se forem as minhas, que eu nunca saiba da notícia o mote.

Que nas veias escorra o doce mel da veracidade, a angústia dos hipertérmicos, a solenidade das bulhas.

E que os ossos perdurem misturados à terra, sem traslados e exumações inoportunas, para tornar-se folha, leite e mó.

Que nos desvarios da noite haja um silêncio em pó.

Que no frigir da carne haja grandeza e dó.

Que ao derreter-se a bomba, reste seiva e dor, mas nunca haja alguém só.

Que se descubra um eu que simplesmente responda e vá.

Renato van Wilpe Bach
Enviado por Renato van Wilpe Bach em 31/12/2005
Código do texto: T92604