A RESSACA DO DIA PRIMEIRO DE 2006

A RESSACA DO DIA PRIMEIRO DE 2006

®Lílian Maial

Agora são exatamente 01:10 horas, do primeiro dia de 2006, e ainda não me sinto no "Ano Novo". No fundo, eu sei que é apenas simbólica essa passagem, que há "meias-noites" em vários locais do mundo em horários diferentes (fuso), além do nosso "horário de verão", mas esse simbolismo é muito forte em nossa cultura, gerando anisedade e expectativas.

Ano passado escrevi um texto com esse mesmo título, assim que acordei, no dia primeiro de 2005. Hoje resolvi escrever ainda de madrugada, porque estou sem sono, não houve festa, fiquei em casa com os filhos, brindamos, e logo depois caiu uma chuva densa, que parece que estava apenas esperando o final dos fogos de artifício, para lavar 2005.

Hoje fez um belo dia de sol, aqui no Rio, fui à praia com as crianças, nos divertimos muito. Voltei em tempo de assar um lombinho, fazer rabanadas e acompanhamentos para a ceia. Coisa simples, somente para nós.

Esse ano não houve os telefonemas do ano passado, a festa, a animação, a música. Foi um encerramento de um ano que não deu motivos para grandes comemorações. Um ano difícil, de muitas perdas, muitas lágrimas. E essa chuva foi um resquício de choro preso nos 364 outros dias do ano.

As ruas desertas, os vizinhos ausentes, o telefone silencioso, até as luzes da varanda queimaram, como uma negativa de alegrar o ambiente. Definitivamente 2005 precisou ser limpo, lavado, cedo com o mar, agora com a chuva. E esvaiu-se de mim, pelas ondas do mar, pelas gotas na rua, pela champanhe que me percorreu os poros e as veias.

Sei que dormirei e despertarei com o velho gosto de cabo de guarda-chuva na boca, ou, quem sabe, mais uma vez, o gosto de saldo de balanço de ano velho.

Caminhei pela casa para apagar as luzes e me recolher, e novamente, como no ano anterior, encontrei meu filho mais velho jogando videogame, o caçula o acompanhando, na expectativa de ser seu parceiro a qualquer momento, momento esse que parece nunca chegar. A menina zanzando para lá e para cá, meio sem ter o que fazer, mas se recusando a ir dormir. A casa ainda cheirava a comida de fim de ano, comida essa que quase não foi tocada. E a antiga sensação de rescaldo de ano que se foi.

A rua deserta, as casas com as janelas fechadas, o mundo havia se mudado para outro endereço.

Estava nesse marasmo, nessa tristeza, quando me dei conta dos outros anos, quando tudo estava bem, quando havia festa e música, quando o ano anterior havia sido maravilhoso, e essa mesma sensação tomava conta de mim no dia primeiro. É engraçado, a gente faz um monte de preparativos, planeja daqui, idealiza dali, e, no final, o mesmo sentimento toma conta, um sentimento esquisito, um cansaço, uma dúvida, um medo.

Aquela quase dor... novamente. Voltaram a povoar minha mente as promessas para o novo ano, e aquela gratidão silenciosa por ter podido terminar o ano com saúde e ao lado dos meus filhos, que são meu maior tesouro. O resto a gente ajeita!

Foi o que bastou! Ergui a cabeça, sorri para o espelho, abracei mais uma vez as crianças e disse a elas o quanto me são importantes, fundamentais, e me sentei para escrever, que é a maneira que expio as culpas, exorcizo os fantasmas, arranjo esperança, grito para o mundo.

Nessa época é importante se repensar a vida, os objetivos, o que realmente importa. Deve-se olhar para trás, no intuito de se fazer uma análise do que se viveu, do que se contribuiu para a felicidade, e se chegar à conclusão de que falta muita coisa ainda, e que não temos tempo para tristezas ou lamúrias, porque em pouco tempo 2007 estará na nossa porta.

Então vamos arregaçar as mangas, passar a agenda a limpo, lembrar dos nomes que foram esquecidos e não deveriam, dos que foram recordados e não deveriam, dos que certamente nos esqueceram e não deveriam...

Passar a agenda a limpo mexe com a gente, passar o ano a limpo cutuca muito mais. E é o que acontece no dia primeiro de janeiro, causa dessa ressaca sem bebida alcoólica.

Já são 01:30 horas, e meu caçulinha me abraça sem mais, nem menos, me beija e me sorri. E aí, já não há mais dor, não há ressaca, não há mais medo. Sou a mais forte e mais bem-aventurada mulher da face da Terra, e tenho mais é que escrever ao mundo o quanto sou grata por viver, o quanto sou feliz por ter minha vida, o quanto me sinto livre por ter minha cabeça, minhas idéias e minha voz, a palavra.

Talvez essas certezas sejam o início do fim dessa ressaca. Talvez a cura dessa ressaca esteja nos sorrisos doces daqueles que amamos e dos que ainda vamos amar.

FELIZ 2006!

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