MAR INTERIOR

Barulho do mar... De todos os sentidos, acho que é o mais abrangente. O ir-e-vir que traduz as memórias mais remotas e recria as histórias que sonhei quando mergulhava sem proteção no oceano de lendas e fábulas. Lembro-me de cheiros e sombras, mas sobretudo percebo ainda a musicalidade da percepção.

Depois descobri o sal sobre o corpo emerso nos dias. Como se a transformação do sabor de algumas vivências fosse a apropriada forma de conservá-las: salgá-las e guardá-las como alimentos dos anos. Apreendi as metáforas e me reestruturei sobre as próprias ficções. A linguagem do prazer se apresentou como maresia e camuflou os medos mais íntimos... À margem de um cais impreciso, prazer e medo ainda se confundem, conjugam a carne das palavras e traduzem em símbolos primitivos o universo de emoções.

De todos os substantivos, o mais abstrato é o mar, pois foi em sua face que aprendi o significado das máscaras. A serenidade e a raiva no espelho de calmarias e ressacas, as inconstâncias e a necessidade de prosseguir.... Perfis de sombras que se estendiam nas paredes do quarto e se embaralhavam com o plano do tempo disposto em ondas, lançando-me junto à sorte num horizonte inalcançável.

A representação do corpo, do olho, do sexo, da lágrima, do gozo... Do abandono e da retomada... O sussurro constante, o grito entranhado nos grãos de alguns silêncios, a certeza da eternidade no sal de algumas memórias.

Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 07/04/2008
Reeditado em 08/04/2008
Código do texto: T935829