O travesseiro e a forca.

Eu o vi lá pelas duas. Pelas quatro já se enforcara. Não sinto falta dele, do seu sorriso feminino, seus gestos insidiosos. Não sinto falta dele reclamar que engordava, não sinto falta de beijá-lo. Dei adeus lá pelas duas e já esperava que chorasse até as quatro. Apenas a forca me surpreendeu. Ora, ora, quem somos nós quando pedimos a própria morte ao deus dos impossíveis. Uma vez ele disse que queria morrer, eu disse não, por que isso? Você é tão lindo. Sorriu e olhou para baixo, em diagonal, como se observasse uma barata descansar a morte. Beijei seu rosto, e chorou como uma criança retardada, em meu colo. Odeio, odiava, quando ele chorava. Quem sabe não se enforcasse, eu (ou outro) o afogasse em seu travesseiro babado, algum dia. Tinha tantos, dias, eus, outros... travesseiros. Tinha tanta saliva. Falava de tudo como se soubesse tudo. Se tivesse tanta razão, ou se alguém o ouvisse, talvez não tivesse contado à forca tudo o que apenas chorou para mim.

Talvez... se eu estivesse com ele lá pelas quatro. Mas não sinto falta dele, não, seu sorriso feminino, seus gestos insidiosos... seu travesseiro babado.

Gustavo Alvaro
Enviado por Gustavo Alvaro em 07/04/2008
Reeditado em 26/06/2008
Código do texto: T935919
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