O travesseiro e a forca.
Eu o vi lá pelas duas. Pelas quatro já se enforcara. Não sinto falta dele, do seu sorriso feminino, seus gestos insidiosos. Não sinto falta dele reclamar que engordava, não sinto falta de beijá-lo. Dei adeus lá pelas duas e já esperava que chorasse até as quatro. Apenas a forca me surpreendeu. Ora, ora, quem somos nós quando pedimos a própria morte ao deus dos impossíveis. Uma vez ele disse que queria morrer, eu disse não, por que isso? Você é tão lindo. Sorriu e olhou para baixo, em diagonal, como se observasse uma barata descansar a morte. Beijei seu rosto, e chorou como uma criança retardada, em meu colo. Odeio, odiava, quando ele chorava. Quem sabe não se enforcasse, eu (ou outro) o afogasse em seu travesseiro babado, algum dia. Tinha tantos, dias, eus, outros... travesseiros. Tinha tanta saliva. Falava de tudo como se soubesse tudo. Se tivesse tanta razão, ou se alguém o ouvisse, talvez não tivesse contado à forca tudo o que apenas chorou para mim.
Talvez... se eu estivesse com ele lá pelas quatro. Mas não sinto falta dele, não, seu sorriso feminino, seus gestos insidiosos... seu travesseiro babado.