Meus Encontros 1

Encontro o poeta. Um encontro marcado pelo acaso, mas ele não evita e, então, caminhamos. Seus óculos mal disfarçam as cianóticas olheiras e as nuvens de sombras em seus olhos absortos. Vamos em silêncio para que tudo em volta seja solidão. Somente assim ele poderia sentir o fraco pulso de uma vida que se adornava com flores de aromas absurdos. Mas, ao menos vida. Ou vida menos noves fora zero? O poeta não sabe, e veste o sobretudo da realidade não menos espanto. Era a vida escorrendo entre os dedos. Um córrego correndo na contramão do mar. Vida rebobinada, como se buscasse o seu fio primevo, o banquete triunfal dos anaeróbicos mangues, a fome milenar de oxigênios. Depois, as crises de asmas e uns fios de saliva e hemoglobina. Talvez quisesse o lodo, a lama imunda onde o deboche divino esculpiu a primeira forma. A vida, de não ser sua, talvez não abalasse o poeta; mas de não ser nada, era sua danação. De não ser nada era como um mosaico de albinas tintas em meio a tantos outros de vibrantes cores e com o cheiro do sangue que corre nas artérias dos que se acham enfeitiçados. Evoé! Mas não para ele, talvez pensasse o poeta. Até os seus amores, ou principalmente estes, chegavam já trazendo consigo as malas, os lenços, o peso grande dos enganos.

Ainda em silêncio, despedimo-nos. Se os seus sentimentos chovessem, creio que apenas ele se molharia; apenas ele pegaria um resfriado. E tomaria um conhaque em noite de lua cheia, esperando, talvez, o último verso, como o último cigarro a que tinham direito todos os condenados.

Aldo Guerra
Enviado por Aldo Guerra em 27/04/2008
Código do texto: T964423