Lirius Celestialle

Em uma floresta, havia uma grande árvore com belos frutos e flores. Pela sua imponência destacava-se entre as demais daquele lugar.

Era tão especial, que a sua seiva exalava um perfume único, quase mágico, atraindo assim todo o tipo de vida ao seu redor. A todos era generosa, prazenteira, acolhedora e em seus infinitos galhos cobertos de verde-vida pássaros protegiam-se do calor do sol, da fúria dos temporais e da crueldade do homem.

Até que um dia, um transeunte de terras longínquas encantou-se com seu aroma e beleza e deitou-se para descansar sob a égide de sua copa. Ela, feliz com o novo hóspede, deu-lhe abrigo, alimento e com o vento em suas folhas entoou uma cantiga que o acalentou e o fez adormecer.

Ao acordar, ainda inebriado com o doce perfume, o estrangeiro resolveu extrair inescrupulosamente toda a seiva de seu caule...

Conforme era sugada, suas folhas começaram a cair, seus frutos e flores a murchar e seus galhos a secar, enquanto o forasteiro enchia o seu frasco de ganância com todo o leite.

Ao retirar a última gota, partiu realizado, satisfeito, ficando ela triste, vazia, sozinha, pois até os pássaros a abandonaram.

Por várias primaveras permaneceu naquela inércia, estagnada, seca, sombria, servindo de descanso para abutres...

Até que um dia, entre a galharia aparentemente morta, brotou uma pequena folha e aos poucos foi se enchendo novamente de verde, dessa vez mais bela, mais resistente, um verde mais intenso.

O predador retirara toda a seiva, entretanto não a destruiu de fato, pois suas raízes eram fortes, sadias, muito bem fincadas no chão.

O estrangeiro, chegando ao seu destino, abriu o frasco e surpreendeu-se ao ver que toda a seiva havia se transformado em sangue e fel.

E nos dias de hoje, ao chegar na tal floresta, lá está aquela árvore: linda, frondosa, majestosa. Recuperou seu vigor, sua essência e beleza, entretanto mantém em seu caule uma marca, uma cicatriz, que fica de aviso aos que chegarem, para que ninguém mais a maltrate.

José Abbade, in BAGAGEM DE MÃO - poesia em verso e prosa,

Editora CEPA, Salvador, 2007