04-Insetos músicos

É uma agradável noite de quarta-feira. E justamente por ser agradável, é que ele resolve ir dormir mais cedo.

Mas logo que seu corpo cai sobre os lençois amarelos, um zumbido surge. Um zumbido bastante irritante, bastante estranho.

Ao virar-se para o lado, e olhar sobre o criado mudo, deu de cara com eles novamente. No violino, a pulga. No segundo violino, o pernilongo. Na viola o percevejo e no violoncelo o besouro.

Os insetos do quarteto de cordas, haviam mudado de repertório. Não mais executavam Mozart, nem Beethoven. Resolveram se aventurar em algo mais desafiador. Agora executavam Janaceck. As "Lettres Intimes". Mas faltava ensaio. A coisa estava estranha.

Ele, sonolento mas ainda consciente, sacou de seu aerosol que, apesar de agredir a camada de ozônio, era mais eficaz que um chinelo velho, e borrifou o líquido sobre o criado mudo. os insetos foram cada um para um lado. Mal terminaram o primeiro movimento do quarteto de cordas.

A vida de insetos músicos não é uma vida fácil. Fatalmente associados a vagabundos, ou artistas de vanguarda sem dinheiro no bolso e menos idéia ainda na cabeça, são obrigados a tocarem nas piores espeluncas, porque não têm espaço na mídia.

Mas a vida é assim mesmo. As pessoas precisam dormir. As pessoas precisam de sossego. E insetos músicos são sempre inconvenientes.

Dessa vez, pelo menos, ninguém morreu. Já é o quinto violinista nessa semana. O último foi pisado por um burocrata escritor, que se irritou ao saber que Smetana não era uma espécie de xaxado.

Insetos são sempre incompreendidos. Ninguem realmente entendo por que os instos artistas insistem em pintar os olhos de preto, e deixar uma franginha (também preta) caindo sobre os olhos. Mas como qualquer outro ser do mundo, só querem ser amados e vender milhões de discos.

De qualquer forma, nessa noite, vão tocar em outra freguesia. Talvêz na casa de um contador. Alguns deles têm muita simpatia por insetos músicos.

EDUARDO PAIXÃO
Enviado por EDUARDO PAIXÃO em 08/05/2008
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