Exercício

"E tudo é proibido. Então, falamos."

(Carlos Drummond de Andrade)

Procurar nada é sempre procurar alguma coisa.

Às vezes, fico zanzando pra lá e pra cá, olhando um nada no meio das coisas, no meio das pessoas, o meio da gente, vislumbrando algo por detrás das coisas, das palavras até, procurando alguém atrás delas. Vou escamando as coisas e depois descamando-as, o tempo, despelando-me, quero achar o que nunca tive, o que não vi, o que não perdi, quero, sobretudo eu mesma.

Tá procurando o que num perdeu, minina?

Nada pai, nada.

Que nada é peixe, menina. (para meu pai, nada sempre era alguma coisa)

Agora é assim, dei pra conversar com mortos, eles ainda nada me respondem, ou será que não quero ouvir suas respostas? Mortos continuam sem saber das coisas, eu achava quando em criança que morto sabia de tudo. Nada... na vida e na morte só que há são perguntas e incompreensão. Escuro e vazio.

Tu só me perguntas, pai? Nunca me responde nada, eu hen. Então eu procuro, pai, procuro o que nem perdi.

Essa garota só procura encrenca, se mete em confusão, procura sarna pra se coçar, num tá vendo que essa garota vai se arrepender de ter nascido! Olha Deus, hen!

Então olho Deus e Ele me olha com cara de cu - pudesse ter um pau para socar-lhe a cara, daí Ele me diz com aquele bico carrancudo: "olha a mãe, hen"!

Volto a olhar a mãe, e com cara de brava diz pra não olhar pra ela com esses meus olhos nos olhos dela.

Eita, calma mãe...

Agora vivo tá falando também, mas ainda não sei a diferença entre vivos e mortos.

Me desfaço, inquilina me aniquilo numa busca inútil, cada vez mais compreendo menos escarafunchando esses porões, esses escombros todos. Será me enredo num palavreado gongórico só pela desfaçatez das duras verdades?

Gongórico foi uma palavra que aprendi com o professor B., ele falava do Barroco, Gregório e tudo mais, Gregório faz sonoridade com gongórico, ouve só. Gregório-gongórico, e tem movimento de gangorra.

Sou assim de barro e oca, vaso de barro, oco, oco, oco, vazio que se ejacula em jactação, é bom brincar assim, ingenuamente com as palavras, a gente descobre coisas sérias, mas será também sou uma mulher barroca. Será?

Ah, mulher barroca - de barro e oca - como aqueles vasos que usam para ornamentar cemitérios, para plantar mortes.

Você não deve falar de morte. Não deve chamar essas coisas.

E eu vou falar de quê? Vida já me dá náusea, estou farta, enfastiada, degusto, rumino demais a vida. Que tal um pouco de vinho? Mas não vou encher muito o vaso , só até a borda, senão transtorna.

Toma, toma esse chá que melhora. Precisa tomar tendência!

Assim eu vomito de uma vez.

Você vai limpar toda a porcaria se vomitar aqui, sua porca!

Pode deixar, não precisa segurar minha cabeça, aprendi a sustentar bem firme quando tudo dentro da gente se re_volta.

Escrever não é um hábito. Seria uma revolta?

Eu sofro de re_fluxo, sofro de escrever e é azedo, é sim e não tem ninguém pra segurar minha cabeça. E, já levei tantas vezes umas tapas por ter refluxo. É involuntário, é?

O B. também me enviou um poema de Borges, e é assim ó, a gente se perde, tem vertigem e tem refluxo. A gente se perdeu já há muito tempo...

Você não toma jeito, se metendo com essa gentalha de novo!? Você só se mete com gentinha... você continua fazendo e escrevendo essas besteiras!

Estou metida até o pescoço no buraco desse mundo, me meteram nessa vida, ué. Então a senhora não sabe... que a gente se mete um no outro!?

Pára com isso, garota, pára de inventar moda!

Não, eu não estou inventando nada, está tudo aí, está tudo aqui dentro... e fora.

Você não aprendeu! Não adiantou esfregar aqueles papéis, aquelas palavras na tua cara.

Esfrega mais, esfrega essa nossa vidinha de merda, esfrega essa porra toda na minha cara...é só o que a gente faz mesmo nesse mundo, se refestela na merda, nessa vida de merda.

Alessandra Espínola
Enviado por Alessandra Espínola em 10/05/2008
Reeditado em 11/05/2008
Código do texto: T984118