Com as mãos cheias de vida
Carrego no corpo junto com as marcas do tempo os sonhos não vividos vincados na face. Na pele já sem viço está a minha vida desbotada prestes a findar.
Fio a fio que branqueia um dia mais se conta nessa escalada de anos aprendidos, mas se me perguntarem se quero voltar; um solene não me escapada de imediato.
A já encarquilhada ilusão não me deixa sequer pensar na possibilidade de um viver outra vez, minha contribuição já foi dada nas poucas coisas que semeei, nos frutos que colhi a custa de muito sacrifício. Aceitar um retorno seria trair o que já escrevi na minha história, não se reescreve a própria vida. As experiências depois de vividas não nos servem senão para sabermos que não vale a pena experimentar de novo e de novo.
O corpo vivido é como um troféu que pouco valor tem, mas que dentro de si as sobram as mais ricas memórias lubrificadas pela alegria de permearem sonhos coloridos da infância e da adolescência. Dentro de um corpo gasto pela vida há um poço de desejos insatisfeitos, uma coleção dos melhores sorrisos, os choros mais doídos e uma vontade ainda imensa e inconfessa de ser feliz em algum próximo minuto.
As linhas da expressão mais duras, os olhos mais cobiçados e os lábios mais carnudos morrem absolutamente num dia que nem mesmo a gente sabe, quando acorda está lá no espelho alguém que não gostaríamos de conhecer. Um dia quando a gente menos espera, se gosta mais por dentro do que por fora e percebe que nem nos notam mais como antes.
Carrego no corpo cansado pelo peso do tempo a sabedoria de conhecer as palavras antes de seres ditas, os olhares que nunca encontraram os meus.
Ah como sei do amanhã mais do que o sabia ontem mesmo sem ser vidente!
Já vivi tanto para saber que me gosto mais hoje apesar das poucas curvas, da balança me pregar sustos constantes e de ver a estrada passar pela minha janela mais rapidamente.
Carrego a vida nas mãos e as mãos com vida para que sinta-a passar ocupada em descrevê-la nos seus momentos mais bonitos.