VOZES PERPÉTUAS

Soam vozes de obcônico ao pé descalço do ouvido

Prófugas a ocasionar prurido – reles vozes

A azedar o leite que banha a alma, vespertina alma

Pobre ouvinte!

Pois me lambem mais solos que as imensidões do deserto

A vida em precipício aberto e delicado.

Batem-me com luvas do tempo, essas vozes de avelãs

Todas recheadas, todas esquecidas

Torna-se bela à verossimilhança da renitência

De tanto insistir, progride; por tamanha recusa, agride

Não mereço o limo carregado no osso perfurado

Apenas respiro a cal inda dentro da embalagem.

Já me permito escutar entre as pausas das vozes

O pouco do chorume a escorrer – ser-me-á história

Por mais cálida e sentenciosa memória a restar, ei-me

Do lado debaixo do barranco, sob a tapa da jabuticabeira

Praças e joios mugindo, aliterando

Ceifando numa só sorte, todas as madrugadas rastejadas.

Inda posso ouvir tudo de uma só vez

Entre os trinados do enxadão a rasgar a terra

Ou no estalar das pétalas destacadas e órfãs

Posso sentir o olor sulfuroso do crematório lotado

Mesmo que, de costas, furtem-me os sentidos

Haverei de soprar as velinhas, dia sim, noite também.

Cesar Poletto
Enviado por Cesar Poletto em 19/05/2008
Código do texto: T996307
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