VOZES PERPÉTUAS
Soam vozes de obcônico ao pé descalço do ouvido
Prófugas a ocasionar prurido – reles vozes
A azedar o leite que banha a alma, vespertina alma
Pobre ouvinte!
Pois me lambem mais solos que as imensidões do deserto
A vida em precipício aberto e delicado.
Batem-me com luvas do tempo, essas vozes de avelãs
Todas recheadas, todas esquecidas
Torna-se bela à verossimilhança da renitência
De tanto insistir, progride; por tamanha recusa, agride
Não mereço o limo carregado no osso perfurado
Apenas respiro a cal inda dentro da embalagem.
Já me permito escutar entre as pausas das vozes
O pouco do chorume a escorrer – ser-me-á história
Por mais cálida e sentenciosa memória a restar, ei-me
Do lado debaixo do barranco, sob a tapa da jabuticabeira
Praças e joios mugindo, aliterando
Ceifando numa só sorte, todas as madrugadas rastejadas.
Inda posso ouvir tudo de uma só vez
Entre os trinados do enxadão a rasgar a terra
Ou no estalar das pétalas destacadas e órfãs
Posso sentir o olor sulfuroso do crematório lotado
Mesmo que, de costas, furtem-me os sentidos
Haverei de soprar as velinhas, dia sim, noite também.