NÃO É TÃO BOM SER BOM
Não é tão bom ser bom
Como também não é bom ser tão mau
O bom tem os ossos frágeis; recuam às inverdades
Os maus morrem de velho, não têm idade.
Não é tão bom ser bom
Em demasia, bondade é certeza de esquecimento
Causa putrefação dos órgãos sensoriais e tinge de amarelo a vida
O mau solapa montanhas por onde o bom transita.
Não é tão bom ser bom
Tem as listras das ruas e avenidas, os degraus
Os maus se travestem de escada e hão, todas as noites, nas estradas
Nem o lume da retina é capaz de ser avistado por tempo santo.
Não é tão bom ser santo
Viver atado aos cantos, com a língua presa nos cordões
Sabe-se que quem come arroba de sal, exaspera-se
O mau é seqüestrado por bordões enquanto o bom navega e desliza.
Entre umas e outras fábulas, ergamos um brinde ao bom
Pois, sem sua pífia existência, o mau não sobressairia
Sem as lantejoulas de sua face, os mares não desfilariam tantos desafios
Contudo, não nos furtemos em agradecer o mau.
À hora dum recado macabro, o turvo vai à esquina ter com o insípido
Vai avisá-lo que a renitência de sua soberba bondade esvaiu-se
No que atina para o frio, ecoa sem sentir dor, e se transforma em ser
Notícias urgem aos berros, e rezam que o bom não vai nada bem!