E POESIA, O QUE É?
É o coleóptero que bate as asas e ruma ao céu
É a ventania que lambe as madeixas da pobre viúva
É a solidão amadeirada dum fel inenarrável
É a vida brotada duma árvore, donde urra o socó.
É distância, é lamento, é instar a amoreira a comer os desfrutes da vida
É a chuva plangente, sob o riso ardente, a pesquisar o dormitório
É ternura ou injúria a ceifar a fome dum desejo, é o medo
É recusa mastigada, é arco-íris, é viagem... É inveja!
Poesia é cavalo sem sela, imagem em falência
A entrada capciosa dum vernáculo, é despeito
É amor, é peito, é escada, é jeito
É oratória, é semântica, é hipérbole, é sintaxe
É o leito poético na frescura do cantar do colibri, do javali.
É imprecisão, é leveza, é jeito de dizer perdão
É sofrimento, é melancolia, é a jarra de manteiga embebida no pão
É a margem esquerda, é luxúria, é desvelo, é procura
Poesia é tudo que repõe com saliva, a dieta fria do nada
È novidade, é arpão, é a simples veste de um dragão.
É a mortalha rubra do ser imberbe, do ter inerte
É o pomo incandescido pelo raio da aurora, é pascigo
Por que não ousar que poesia é cinema, é mistério, é sincronia?
É a plena, pura e vasta autarquia a comer com as mãos cheias, o saibro noturno
É a vela que ascende no mastro e a dela que o respeito oculta.
É o liquor, o chorume, a azinhaga florida, a vereda pedregosa
É a enxada, a fragata à cordilheira, é um gesto banal
Poesia, meus caríssimos, é malha de vigor único, é o floema
É a tinta da ALMA que martiriza e encanta folhas em branco
É proeza, é juventude, é eternidade... É o ranço!