Cinco horas.

Acordar culpado

É coisa do brado brasileiro.

É dividir por cem

Cada pedacinho do que tem.

É afundar no travesseiro,

Num peso de prédios inteiros,

E nas marteladas fazer as horas

Que a noite toma da produção.

Viver num corpo duro que levanta,

Todo espichado, maltratado,

Pelo café sem gosto e o leite gelado:

Os olhos vermelhos dum bem-domesticado.

Dizem que não é fácil.

Não é fácil segurar os trilhos nos ombros,

Sem mirar um horizonte em que se pise,

E ver o céu, oh! o céu! Limpo e livre de deslizes.

Quem é que diz, digam-nos, quem?!

Que o homem que salta cedo,

Da cama ao chão frio,

É que tem culpa do que nunca decidiu?

Nessa hora que as línguas negras das chaminés,

Os barulhentos explodires dos motores,

Os móveis das casas apontam e gritam:

Foi tu! Foi tu, desgraçado! É o culpado!

Quem que culpou esse coitado?

Que carrega o pão nas mãos,

Pois o homem sabedor descobriu,

Que o saco do pobre é que polui o rio.

Aquele, que na ponta do lápis fino calculou,

Que se jogasse culpa no cantinho da pirâmide,

Ela escorreria por baixo da saia da madame,

Indo molhar toda a roupa de corpo do povão.

Vinicius de Andrade
Enviado por Vinicius de Andrade em 22/05/2012
Código do texto: T3680874
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