O VELHO COM OLHOS DE POETA

Todos acabaram vendo aquele velho lá na praça

Sentado ao sol, comendo, num banco acomodado,

Olhando tudo com o ar meio feliz, meio sem graça

De quem repousa e, aos poucos, vai ficando saciado.

Tinha aquele olhar brilhante e meigo, de Poeta,

E quem o olhasse assim, na praça, bem ao meio,

Não saberia dizer se ele viera naquela bicicleta

Encostada ali de frente, na beirada do passeio.

E quem soubesse não poderia dizer, afiançando,

Como fora que ali chegara o velho dos olhos de poeta,

Se chegara apenas empurrando-a e caminhando,

Ou se nela viera sentado, pedalando na velha bicicleta.

E foi assim que começou a lenda dele, foi nesse dia.

De repente chegava, e não tinha hora para chegar,

E isso também era uma coisa que nunca ninguém via:

O momento exacto daquele velho forte se aproximar.

Ele gostava de sol, mas dava no mesmo quando chovia.

Escondia-se um pouco no coreto, até a chuva passar

Mas logo regressava ao banco, onde toda a gente o via,

Ali no meio da praça, apenas, e andava longe o seu olhar …

E todos os dias chegava, e aquele banco era já pertença sua…

Vinha de onde, o Poeta ? - como lhe chamavam agora-

Para onde ia, quando se ia o sol e, à tarde, sucedia a lua ?

E regressava de onde quando ao dia precedia a aurora?

As crianças gostavam dele, e das histórias que contava.

As senhoras, dos seus cumprimentos de cavalheiro.

Os homens da ameaça que por certo não representava

E da esquadra de polícia podiam vê-lo o dia inteiro.

Mas era bom, o velhote, e gentil com toda a gente.

As senhoras davam-lhe roupa e comida, que agradecia

Sorrindo, com um ar tão feliz, e tão sinceramente,

Que ninguém levava a mal quando ele também as dividia.

Porque as suas mãos que recebiam, também davam

E na meiguice dos seus olhos de Poeta, meio vagos,

Havia um carinho grande por aqueles que precisavam.

Nos olhos trazia carinho, mas na alma trazia cuidados.

E nunca aconteceu faltar-lhe nada do que ele queria

Nem ele faltou com carinho aqueles a quem acarinhava

Nem precisou deixar de dividir nada com quem dividia

Ou tampouco de abandonar o banco onde se sentava…

As pessoas habituaram-se com ele, e assim foi acontecendo,

Que elas mesmo foram repartindo o pouco que lhe davam,

E quando o velho se apercebeu que assim estava sendo

Olhou em volta e sorriu feliz vendo como todos partilhavam.

Então um dia, mesmo não tendo hora, chegou tarde o Poeta.

E as pessoas nem notaram , e ninguém realmente reparou

Naquele velho forte, caminhando ao lado da velha bicicleta,

Que veio vindo até ao meio da praça, e ao lancil a encostou.

E no dia seguinte, quando amanheceu sozinha a bicicleta

La no meio da praça, em frente aquele banco de jardim

Onde tantas vezes se sentara o velho de olhos de poeta

Perguntavam-se: “Que Poeta era esse, que se foi assim ?”

Sem saberem bem o que fazer com a velha bicicleta

Deixaram-na ali mesmo, e dali ela nunca foi roubada.

E muitos sentiram a ajuda do velho de olhos de Poeta

Enquanto pedalavam, fossem adultos ou criançada…

Henrique Mendes
Enviado por Henrique Mendes em 14/06/2014
Reeditado em 14/06/2014
Código do texto: T4844465
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