DOIS PONTOS EM CADA LADO DA TESTA

Diogo Emmanoel Costa

Dois pontos negros surgiram em cada lado no topo da testa. Protuberantes, mas com tamanho imperceptível a quem não prestasse atenção. Talvez aquilo não fosse atrapalhar a primeira reunião após a promoção de um mês atrás, para a qual Victor sacrificou muitas horas de seus dias e muitas noites preso em seu escritório. Passou pela esposa na cozinha com um rápido "bom dia, amor" e despediu-se já na porta.

Não bastasse o trabalho desgastante para evoluir entre os colegas, o novo cargo lhe trouxe mais responsabilidades que acabaram transformando sua nova sala em seu novo lar. Passou a dar mais "bom dia" e "boa noite" ao chefe do que para a mulher.

"Você precisa cuidar disso, Victor, daqui uns dias não vai passar pela porta", diziam os colegas que passavam de frente a sua sala com a porta aberta. Não estavam errados em seus comentários, pois quem passasse por ali poderia ver por cima do monitor um par de chifres tortuosos e pontiagudos.

Por sua negligência, a qual se desculpava com o motivo de não ter tempo para os médicos, aquela coisa continuou crescendo. Cada vez mais para cima formando uma espiral. Os chifres foram ficando maiores e pesados, forçando a cabeça do coitado para frente. A cartela de remédios para dor passou a acompanhá-lo em sua mesa de trabalho ao lado do teclado do computador. Victor nunca imaginou como eles surgiram, muito menos como cresceram e mesmo que muitas vezes tivesse ouvido as reclamações de seus colegas pelas duplas marcas que passou a deixar quando entrava em suas salas ou até mesmo em seus carros, a existência daquela coisa era algo que para Victor parecia distante, algo que pudesse resolver depois. "Não vai sumir se você fingir que não existem, homem, lixe isso de uma vez", dizia o chefe.

Em casa sua esposa estava alheia a situação. Há muito que o marido não passava tanto tempo por perto desde que ele decidira que queria aquela vaga. Enquanto Victor possuía um par de chifres, um escritório vazio e uma mesa fria, ngela nada reclamava das suas noites quentes em sua cama que nunca estava vazia.

Diogo Emmanoel Costa
Enviado por Diogo Emmanoel Costa em 15/08/2020
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