O vendedor de sonhos.
 
A tarde seguia silenciosa e lenta naquele domingo. Dona Júlia na janela de sua casinha à moda antiga observava a rua, mas nada havia para se observar. Então muitas vezes ela se apoiava no umbral da janela e fechava os olhos pra lembrar daquele tempo em que a rua vivia cheia: crianças, moças, rapazes e o vendedor de sonhos. Ele sempre vinha, religiosamente às cinco da tarde com sua bicicleta de entregas buzinando. As crianças corriam para pedir: um de creme, dois de doce de leite. O Vendedor de sonhos parava na frente da casa de Júlia, atendia a todos, depois cumprimentava:

- Boa tarde D. Júlia! O que vai ser hoje? Creme ou Doce de Leite?

- Não obrigada... Estou de dieta.

Todo dia ele aparecia, todo dia ele oferecia um sonho, e todo dia ela negava. E então as crianças foram crescendo e se mudando. A velha rua de paralelepípedo foi asfaltada e o fluxo de carros foi aumentando. As casas vizinhas foram sendo lentamente substituídas por uma vizinhança comercial. A bela e esbelta Júlia envelhecera, ainda esbelta. Um dia decidira que sim, podia se dar ao luxo de aceitar a oferta do vendedor de Sonhos. Se pôs a esperar na janela, dia após dia. Mas ele não vinha. Estava atrasado. O sonho seria de creme ou de doce de leite? Não sabia, decidiria depois.

Então naquele domingo, ao longe, ela ouviu uma buzina. Se empetirgou, foi até a porta, a bolsinha de moedas em uma mão e a mala de roupas na outra. E lá vinha o vendedor de sonhos, pedalando. Parou na frente da porta e perguntou:

- O que vai ser hoje? Creme ou doce de leite?

- Acho que hoje vou ficar com todos!

E então subiu na garupa da bicicleta e saíram pedalando rumo ao pôr-do-sol.
 
Dara Pinheiro
Enviado por Dara Pinheiro em 01/10/2020
Reeditado em 26/03/2021
Código do texto: T7077383
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