O CANTO DE HANNA: UM (RE)ENCONTRO ENTRE MUNDOS!

Aos olhos humanos constava apenas de uns 11 ou 12 anos, tinha cabelos negros como a noite e tão longos como os cipós das florestas e matas, e assim, caminhava a pequena e inocente indiazinha pelos campos peruanos.

Enquanto caminhava distraída por aquele caminho, viu bem ali, prostrado diante de si, um grande, imponente e luminoso lobo de pelo acinzentado. Era quase prateado, quando banhado pelo brilho do luar.

Aquela grande fera atravessou-se em seu caminho, impedindo assim a passagem da pequena Hanna. E sempre que ela insinuava um passo adiante, o grande lobo balançava a cabeça, lenta e repetidamente, semelhante a um pêndulo, confirmando assim a negativa, demonstrando desta forma, sua não permissão a passagem da linda, e inocente pequenina.

Precisando retornar para casa, Ela insistiu mais uma e outra e outras vezes, mas aquele grande ser parecia irredutível, a final, o que podia aquela pequena criança em relação à bela, porém temida fera?

A teimosia instintiva da indiazinha dos cabelos em trança e olhos de águia levou-a a intuição de que, aquelas atitudes opostas, ela querendo seguir e ele não permitindo, a considerar pelos ânimos, poderiam se estender sabe-se lá até quando.

Embora não tivesse noção do que se passava, suspirou profundamente e proferiu o diálogo mental:

__Seu lobo, já está tarde! O Senhor está no caminho, e eu preciso passar! Por favor, deixe-me passar!?

Mentalizou isto de mãozinha posta e olhos cerrados, como quase sempre fazia, quando se encontrava em aflição.

Fez de conta que ia em direção do lobo, ele irredutível, mais uma vez, meneou a cabeça em sinal de não e, para desespero da pobre criança, deitou-se no caminho, desta vez com o focinho repousado sobre as patas dianteiras, imponentemente cruzadas, em sinal de desdém e introspecção, tentando ignorar a pequena e, deixando-se perceber que, por ali ela não passaria.

Em um gesto pleno de compenetração e entrega, com aqueles olhinhos castanhos, apertadinhos e marejando de lágrimas, a bela criança cerrou seus pequeninos olhos, suspirou profundamente e encheu seus inocentes pulmões com a doce fragrância das essências das matas e, mentalmente, se reconectou com seu avô Kaleo, um dos grandes e valiosos mentores espirituais de sua nação.

Com a teimosia que lhe era própria, deu três passos adiante, na última tentativa de passar por onde aquela fera havia, propositadamente, se abancado, mas para acentuar e reforçar a proibição anterior, como em um sobressalto, ele se pós de pé, encarando-a e fitando assim, os olhinhos aflitos da pequena Hanna.

Ali, naquela situação, havia sido travado um diálogo intermundos que, além de parecer uma batalha, ia além da compreensão daquela pequena criança. Domada pelos instintos de sua ancestralidade, a pequenina, em sua inocência e crença advinda de sua linhagem, profunda e serenamente, entoou um dos “Cantos” de sua Tribo, daqueles que, de tão intensos, simbolizam a Paz entre as Tribos e Nações, sobretudo, quando se encontram emanando vibrações de guerra, especialmente, por território.

Quando Hanna entoou seu Canto, os altivos olhos da grande fera se abriram e brilharam infinitamente na majestosa luz da lua. E naquele gesto de Compreensão plena de com quem estava lidando, o grande lobo de pelo prateado deu três passos para trás, curvando-se em seguida, diante da pequenina ancestral Inca, em uma atitude da mais que absoluta reverência.

Dado ao adiantar das horas, mas extremamente feliz pelo ocorrido, ela se apressou em fazer a travessia de volta a sua morada, e de mãozinhas postas e olhos cerrados, em uma atitude de inclinação e também de reverência, o agradeceu mental e espiritualmente, mas para sua surpresa e curiosidade, ao virar-se para agradecer de olhos abertos, percebeu que o grande e luminoso Ser havia desaparecido naquele misterioso e infinito brilho daquele encantador, memorável e providencial luar.

Passada a experiência, o que nossa pequena Hanna não sabia era que havia recebido a permissão de seu primeiro encontro com um de seus ancestrais, materializado naquele imponente e misterioso Ser; e que Ele a havia submetido a uma situação de prova por meio da qual ela precisava pôr a prova, seu potencial de conexão física, mental e espiritual com os seus ancestrais, isto ao escolher um modo particular de reconectar seu coração à sua gente/nação, como o fez por meio do Canto que executou, enquanto identidade espiritual de sua nação de origem.

A atitude de Reverência da grande fera, por meio da Inocência, da Paz e do Amor que se encerrava no espirito singular daquela bela criança, além de marcar o (Re)conhecimento entre espíritos ancestrais, testemunhado pela lua, consagrou o momento do batismo simbólico da Pequena Hanna, enquanto a mais nova Xamã, de sua tribo/nação para as esferas do mundo físico e espiritual, onde segue cumprindo sua missão intermundos de Bem Feitora e Trabalhadora da Luz.

Obs.: Conto inspirado em uma Narrativa Oral, fruto de uma História Real, vivenciada e narrada por uma Peruana, descendente da Nação Indígena dos Povos Incas, com quem constituí laços de afetos sinceros.

De Edy Justino. Conto: O Canto de Hanna: um (re)encontro entre mundos!. In.: Coletânea Elas e as Letras. MÁXIMO, Aldirene; VEIGA, Jullie (Orgs.). 1. Ed. São Paulo: Versejar Edições Literárias, 2018, p.74-76.