Compras fora de época

Verifiquei que havia apenas três caixas abertos, ao escolher a que parecia ser a menor fila para colocar meu carrinho de compras. Era o preço a ser pago por fazer a feira mensal no meio da tarde de um dia de semana, conformei-me. Enfim, os preços compensavam o incômodo de ter que ficar em pé, sem um celular na mão para distrair. O que as pessoas daquela época faziam para passar o tempo? Olhei em torno, de forma casual, e verifiquei que alguns clientes estavam com revistas nas mãos; provavelmente, apanhadas nos mostruários próximos aos caixas.

-Desculpe interromper, mas o que está lendo? - Indaguei para um homem barrigudo que estava atrás de mim na fila.

O sujeito ergueu os olhos da revista e me encarou com cara de poucos amigos.

- É para um estudo da universidade - apressei-me em acrescentar.

- Você é pesquisador? - Questionou ele.

- Sim, mas pesquisadores também fazem feira do mês - argumentei, indicando o carrinho cheio.

- Naturalmente - assentiu o homem, parecendo mais descontraído. Virou a matéria da revista, para que eu visse o título: "A Teoria do Sucesso".

- O que diz, exatamente, essa teoria? - Perguntei, curioso.

- Em resumo, que se você não tiver o pensamento de um vencedor, nada dará certo na sua vida - explicou ele.

- Entendo - redargui. - Se você pensar que algo dará certo, o universo irá conspirar ao seu favor e fazer com que se realize.

- Fora essa parte sobre universo, que me parece papo de Nova Era, você pegou a essência da coisa - aprovou ele.

- Interessante; muito grato pela oportunidade de conhecer um conceito novo - concluí, antes de empurrar meu carrinho para o balcão de caixa e começar a esvaziá-lo.

- O senhor tem um comércio? - Indagou a operadora, enquanto digitava os itens na registradora.

- Não, na verdade - repliquei, enquanto empurrava as compras lançadas para o empacotador.

- Mas vejo o senhor aqui, dia sim, dia não - comentou ela cautelosamente. - E sempre enche o carrinho...

- Os preços aqui são bons - argui, sem saber onde ela queria chegar.

- O senhor não gostaria de fazer um cadastro? - Sugeriu ela. - Poderia pagar com cheque para 30 dias!

Ah, então era isso, pensei. A última coisa que eu gostaria de fazer seria um cadastro; pior, pagar com cheque!

- Lamento, mas não tenho conta em banco - esquivei-me.

- Desculpe - suspirou ela.

- Não tem problema - respondi.

Ela leu o total das compras. Saquei a carteira, e puxei um maço de notas amassadas. A registradora expeliu uma longa fita de papel, com números impressos em azul. O empacotador já havia colocado as sacolas de papel dentro do carrinho.

- Até depois de amanhã - despedi-me.

- Até - disse ela, olhando para mim de rabo de olho.

Fui empurrando o carrinho pelo estacionamento do supermercado, até o local onde meu carro estava estacionado; abri o porta-malas e comecei a arrumar cuidadosamente os pacotes. Depois, já ao volante e dirigindo para fora do estacionamento, anotei mentalmente que precisaria de mais dinheiro para as compras do próximo mês. Mas isso dificilmente se constituía num problema, já que colecionadores de moeda antiga sempre os havia muitos.

A falta de opções de iogurte, todavia, era algo que não seria resolvido nem tão cedo. Era um pequeno preço a se pagar por fazer compras fora de época, consolei-me...

- [12-01-2021]