A MÚMIA E O BESOURO

Os antigos egípcios conheciam palavras mágicas, capazes de levantar pedras enormes e fazê-las flutuar no ar, como balões jogados pelas crianças. Assim, então, eles teriam feito as pirâmides. Os magos levantavam as pedras e os pedreiros as trabalhavam no ar, com cinzéis; as faziam girar para controlar o processo e as deslocavam em um drible rápido. Finalmente, um equipe especial arranjava as pedras as umas em cima das outras, tais como latas de tomate nos estantes de um supermercado.

Outro método recorria ao trabalho dos roedores “come-pedras”, animais pequenos de uma espécie agora extinta, que ajudaram enormemente os antigos construtores para erguer as suas maravilhas, obras que desafiaram todos os prejuízos do passar do tempo. Os come-pedras eram animais semelhantes aos tamanduás, com o tamanho de um cachorro, com pêlo felpudo e curto de cor ocre, como a areia. Na verdade, eles viviam originalmente no deserto, onde não havia muita comida, e haviam-se especializado em roer a areia e fragmentos de pedra calcária, para fortalecer o seu corpo, através de uma transformação alquímica complexa. Os sacerdotes e os arquitetos conseguiram domá-los. Trouxeram-nos em grandes recintos, junto aos templos, e empregaram-nos na construção de pirâmides gigantes. Os animais eram levados para as pedreiras, onde eles se alimentavam com todos os fragmentos, os restos de estátuas e colunas, seixos e areia, que foram espalhados aqui e ali. Em seguida, os arquitetos transportavam os come-pedras até à pirâmide. A construção das pirâmides, que nossos historiadores imaginam freneticamente animada pelos escravos, trabalhando no transporte de blocos gigantescos, era realmente um formigamento de animais que depositavam suas fezes. Os especialistas em arqueologia acham que fossem suficientes os excrementos de poucas centenas de come-pedras para construir, em um único dia, dois ou três gigantescos blocos de conglomerado calcário. Como você pode imaginar, os estaleiros das pirâmides estavam cheios também de uma inumerável quantidade de besouros, subindo e descendo as encostas, rolando em continuação bolas de massa calcário.

O segredo dos come-pedras ficou bem cuidado, ninguém podia revelar, sob pena de morte... Era proibido descrever o animal precioso, você não poderia mesmo nomeá-lo. Sua existência era monopólio absoluto da casta dos magos e sacerdotes, que estavam segurando firmemente seus segredos. É por isso que nenhum de vocês, hoje, sabe nada disso. Estes não foram, no entanto, os únicos segredos mantidos pelos sacerdotes-magos. Não eram as únicas esquisitices dessa natureza primordial, que o homem estava tentando dominar com o exercício de sua capacidade de conhecimento. Os magos conheciam bem o pássaro-espelho, uma espécie de galináceo com plumagem que refletia a luz. Essas aves eram parecidas, de longe, às bolas, cobertas com espelhos, que refletem mil luzes, rodeando, nas boates modernas. Os sacerdotes usavam para obter a luz até os confins mais profundos, no interior dos túneis profundos e estreitos. Só assim eles poderiam pintar cenas nas cavernas escuras das pirâmides. É claro que os sacerdotes egípcios não pensavam em tudo para criar um quebra-cabeça para as gerações do futuro distante, porque eram quase certos que ninguém teria violado os corredores secretos. Todas as suas energias eram dirigidas exclusivamente ao mundo da vida após a morte. Come-pedras, besouros, pássaros-espelho... O que você imaginava ser um estaleiro cheio de escravos, trabalhando sob os chicotes de silvo feroz dos torturadores, acabava por ser uma espécie de zoológico, um circo, em que a presença de homens era limitada ao que hoje chamamos de "funções de controle ecológico". Mas, claro, os homens observavam as estrelas, eles calculavam, estavam planejando a estrutura maciça das pirâmides e todo o estaleiro. O estudo constante de magia e alquimia permitiu o conhecimento dos sacerdotes-magos e um controle mais preciso das potencialidades oferecidas pela natureza.

"Eu era o assistente de um feiticeiro que experimentava as palavras mágicas, antes de patenteá-las. Aconteceu uma confusão. Um pequeno soluço no caminho da humanidade, mas um assunto sério, para quem foi vítima.

Não faltavam os erros. Explosões, quedas indesejáveis... O laboratório parecia uma zona de guerra. Como quando o feiticeiro levantou um armário cheio de armas de bronze, mas ele tinha esquecido de fechar a porta. Você pode imaginar o que aconteceu quando o guarda-roupa ficou inclinado e seu conteúdo se espalhou por toda parte, com um estrondo que fez correr os guardas do faraó, abalados.

Um dia meu chefe decidiu liquidar-me dessa maneira para não pagar meu salário. Me fez encontrar em cima da mesa um belo besouro cor de turquesa, bonito demais para eu saber refrear o desejo de levá-lo nas mãos. Eu apenas toquei com o objeto sobre o meu coração. Assim eu encontrei-me paralisado e exposto em um museu.

O besouro era o inseto mágico do Livro dos Mortos, um símbolo do sol divino. Ele garantia para o falecido a petrificação do corpo e a vida eterna do duplo, mas para mim, que ainda não tinha feito os meus dias, é quem se transformou em um palavrão. O escaravelho de turquesa é uma garantia da eterna juventude, mas transformou meu corpo em pedra. Meu mago está agora reduzido a pó por milhares de anos, enquanto eu estou condenado a permanecer para sempre, com a mente alerta, num corpo incorruptível. Desde alguns séculos me encontro neste museu, com o escaravelho apertado em minhas mãos. Agora você paga um ingresso e me vê petrificado neste museu, com um besouro de pedra sobre o coração.

Outra palavra eu poderia usar agora, para escapar do pesadelo milenário. A palavra que eu não posso pronunciar, mas é escrita com a figura de uma planta maravilhosa, erva milagrosa, rara e quase desconhecida, com mil propriedades medicinais. Por favor, devolva-me um corpo humano, capaz de viver, sofrer, consumar-se. Coloque a planta efêmera em lugar do inseto divino e eterno.

Dê-me mais um dia de vida!"

Estes eram os pensamentos da múmia de Kheper, o mestre de obra das pirâmides, mas nem seus lábios, nem seus olhos podiam mexer. Ele vivia em um pesadelo eterno, uma espécie de universo paralelo, um limbo desde o qual tudo podia observar, mas não lhe era permitido ingerir-se com os negócios dos homens mortais. Uma criança, um aluno do terceiro ano, foi ao museu com sua classe. Era curioso, como todos os meninos de sua idade. Vinha de uma escola rural. Uma folha de grama, entre os dentes, tinha-lhe feito companhia durante toda a viagem. Um pacote de batatas fritas (introduzido ilegalmente no Museu) afirmou seu direito a entrar nas fauces da criança, e foi assim que a lâmina de grama terminou distraidamente nas mãos da múmia. A folha de grama trabalhou a noite toda. Raios misteriosos, em cima do telhado do museu, levantaram-se formando uma cúpula de mil cores. Uma sobrecarga no sistema elétrico causou um incêndio no Museu. A seção egípcia foi severamente danificada, três múmias destruídas. Entre as ruínas carbonizadas e fumegantes, os bombeiros encontraram um escaravelho de pedra azulada. Então uma manada de dois ou três mil come-pedras apareceu do nada, como um exército, começando a devorar as paredes do Museu. Alguém poderia jurar que havia também muitos besouros de cor de turquesa. Os bichos formaram uma pirâmide. Na terceira manhã, após o grande incêndio, o sol resplandeceu nascendo, frente à face leste, branca, sólida e lisa.

Ninguém jamais poderia saber com certeza, mas estamos convencidos de que, sob essa pirâmide escondida no segredo da câmara de sepultamento, são emparedados os restos imortais de Kheper, o mestre de obra do faraó.

Alberto Arecchi
Enviado por Alberto Arecchi em 27/03/2022
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