DEMONSTRAÇÃO DE FORÇA.

Faltavam alguns minutos para as portas de fecharem. Meu vestido tinha um forte cheiro de guardado. Era da minha mãe. Não gostava de suas mangas volumosas. Mas era o que me deixava apresentável. Perguntei a minha criada se o vestido nunca fora lavado. Ela riu e saiu sem me responder. O espartilho estava muito apertado. Minha maquiagem fazia cócegas nos olhos. E sentia fome. Alguém bateu na porta e entrou. Era meu pai estendendo a mão para acompanhá-lo até o Salão Principal. Vi seus olhos lacrimejarem enquanto me olhava dos pés a cabeça. Segurou o choro. Entrelacei meu braço ao dele e escutei baixinho um elogio. Sorri delicadamente.

No corredor, bati meus olhos à pintura de minha mãe na parede. Sorri, engoli o choro e ajeitei a postura. Percebi no canto do olho que minhas irmãs vinham logo atrás de nós. Paramos no início da escada principal. Todos olharam pra nós. Meu pai desceu primeiro e me esperou no fim da escada. Estava com sapatilhas apertadas e a saia do vestido me impedia de ver os degraus. Mesmo assim, batia o calcanhar no fim do degrau pra que sentisse segurança ao descer. Assim fui. Desci ao som de Erik Satie. O pianista era meu primo Henrique que a me ver, pediu que eu sorrisse. Tinha me esquecido de sorri. Delicadamente, abri o sorriso sem mostrar os dentes, como quem diz que está tudo bem e que não há nada para o que se preocupar. Os olhos dos convidados ficaram vidrados a mim. No fim, peguei a mão de meu pai, desci o último degrau e o agradeci me reverenciando.

Ele pediu para que eu me levantasse. Quando me ergui, ele se reverenciou a mim. E todos os convidados o imitaram. Henrique chamou seu companheiro Artur, o violinista e juntos tocaram. Minhas irmãs desceram os degraus. Uma delas desceu com muita pressa. Ela correu até mim e me abraçou. Ajoelhei-me ao chão para abraça-la de volta e ela cochichou "não quero ver mamãe, não quero me lembrar dela assim, quero me lembrar somente dos momentos felizes". Ouvi alguém chorar ao fundo. Apertei o abraço e disse em seu ouvido "Uma grande rainha sempre faz decisões difíceis. É seu fardo, mas também sua maior demonstração de força. Não queres provar da força que tem?". Ela sorriu dizendo que eu sempre sei o que dizer.

Os convidados abriram espaço e logo lá estava um ataúde com madeira e ouro. Cheios de flores e joias. Dentro estava à mulher que me deu a vida, me deu a felicidade e a alegria de sua companhia. A mulher mais sábia, elegante e inteligente que jamais vi. A mais bela e delicada. A mais forte e a mais gentil. Mamãe usava um vestido verde musgo e um véu preto. Quando chegamos ao esquife a música parou. O silêncio perdurou por alguns minutos. Estava pensando em todos os momentos em que ela sorriu. Meus pensamentos foram interrompidos quando ouvi os joelhos do meu pai irem de encontro ao chão. Nesse momento, ele chorava desesperado por Eleonora. Sua coroa foi ao chão. Ouvi vários convidados se chocarem ao seu desespero. Calmamente, fui até a coroa, o peguei em minhas mãos e a acariciei. Fui até meu pai, passei a mão sob suas costas e coloquei sua coroa em sua cabeça. Beijei sua têmpora. Ele olhou nos meus olhos e eu chorei, mas sorri. Ele limpou minhas lágrimas dizendo "Seus olhos e seu sorriso são como os da sua mãe. Amo você, sou muito grato por ter você conosco". Sorri e me levantei. Quando olhei para minha mãe, ela estava sorrindo.

Levantei a cabeça para olhar para cima e a vi na escada. Ela vestia o mesmo vestido, porém branco e dourado. Sua coroa estava na sua mão. Todos os presentes haviam desaparecido inclusive meu pai e minhas irmãs. Fui ao seu encontro, ela descia as escadas como quem flutuava por elas. Ela estava sorridente e parecia muito feliz. Estendeu-me uma das mãos e ao tocarmos ela disse "Você está linda. Não chores, pois nunca irei te abandonar, minha pequenina. Amo você. Amo seu pai. Amo suas irmãs e amo meu povo. Cuide de todos. Pois assim, estará cuidando do fruto do nosso amor, querida. Preciso ir. Fique em paz, pois assim estarei." Eu apertei sua mão, mas escapou e eu caí. Ela se foi e todos voltaram. Meu pai foi ao meu encontro e em prantos eu disse "eu... eu tentei segurá-la... eu... eu tentei impedir, mas ela se foi. Ela se foi. Para sempre, ela se foi". Meu pai me agarrou forte e eu chorei até adormecer.

Acordei na minha cama no meio da noite. Fui a minha mesa e coloquei uma pintura de minha mãe. Um copo com água e acendi uma vela em seu nome. Ajoelhei-me. Fiz a oração que ela me ensinou e conversei com ela tentando não derramar nenhuma lágrima. Agradeci por tudo. Pedi que ela encontrasse a luz e a prometi que iria cuidar de tudo o que ela amava. E foi por esse motivo que me tornei a Rainha de Galmot.

Danielle Tonioli Gonçalves
Enviado por Danielle Tonioli Gonçalves em 20/07/2022
Reeditado em 14/12/2022
Código do texto: T7564224
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