O BOITATÁ

Tio Arcido contava muita história do boitatá, ou, como dizia ele, do “fogo-fato”.

Era uma noite bonita, estrelada, azulada. Fim de novena; um ar de festa invadia a cidadezinha de Urubici. Dez horas da noite. Urubici quase às escuras e coberto por um céu bordado de estrelas. Na noite radiante viam-se correr no céu centenas de estrelas cadentes.

Os pinheirais eram de doer os olhos, uma presença verde escura, imensas umbrelas, que se levantavam solitárias, abrindo os grandes braços para o céu.

Pro lado do cemitério se concentrava uma mancha escura de pinheiros, dando um tom solene e misterioso à paisagem. Em noites como essas, Tio Arcido parecia um ser de outro mundo. Ficava transfigurado, e sua inspiração de contador de histórias parecia uma cachoeira. Seu espírito voava mais do que o normal. Numa dessas noites azuis de Urubici, povoadas de vaga-lumes e cheias de um inebriante cheiro de mel, Tio Arcido contou essa história:

Nós estávamos parados em frente à igreja, quando um grande fogo amarelo avermelhado se levantou no cemitério. Era uma grande bola de fogo, e passeava no pinheiral. Logo atrás dela veio outra bola de fogo, e mais outras. A grande cobra de fogo foi se formando, e se mexendo em círculos.

- Meu Deus do céu, é o boitatá... – gritavam as mulheres fazendo o sinal da cruz.

As pessoas assustadas fechavam as janelas, as crianças paravam de brincar de bicho e corriam para casa. O espetáculo fantasmagórico durava algum tempo. Quando as bolas de fogo ameaçavam descer o morro em direção à Praça, até nós mesmos corríamos para dentro da igreja.

As bolas de fogo iam e vinham dançando conforme o vento. Subiam e desciam. Urubici ficava mudo e assombrado diante de tanta luz e de tanto mistério.

Numa noite daquelas, Zé Vortiano passava por perto do cemitério, quando as bolas de fogo azul começaram a seguir o seu cavalo. Vortiano riscou de espora o animal e disparou morro abaixo; quanto mais ele corria, porém, mais o fogo se aproximava dele. Quanto mais acelerava, mais perto a cobra chegava. Tanto correu, que despencou pela barranca do rio Lava-tudo, em meio aos vimeiros, sem nem mesmo ver onde estava a ponte.

“Fogo-fato”, explicava Tio Arcido com ar de professor, é uma parte da alma das pessoas que se incendeia. Esse fogo sai da sepultura das pessoas malvadas, daquelas que gostavam de assustar os outros em vida. Os malvados viram boitatás, comem os olhos dos animais mortos e viram cobras de mil olhos.

Tio Arcido dava uma pitada no palheiro, cuspia de lado, e balançava a cabeça com tom misterioso. Os piás e os marmanjos ficavam arrepiados, esperando outra história, e ela vinha...

Jonas Tadeu Nunes e José Nunes (Poeta e autor do Hino de Urubici)
Enviado por Jonas Tadeu Nunes em 18/06/2023
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