O Carro do Batman

História fresquinha, aconteceu no último carnaval.

Magda tinha ido ao salão fazer o cabelo e as unhas. Lá pelas tantas, começaram a buzinar em frente. Como continuassem insistindo, Quitéria, a dona do salão, resolveu espiar pela fresta da persiana. Voltou sorrindo.

- Acho que é o Batman!

- Batman?! - quem é o biruta que sai por aí dirigindo um carro igual ao do Batman?

- Acho que é o seu noivo...

- O Claudinho?

Mal acabou de perguntar, soou a campainha. Quitéria foi até a porta e voltou de lá com o Claudinho girando um molho de chaves, num chaveiro em forma de morcego, no dedo indicador que apontava pra cima.

- E aí, gata. Vai demorar?

Quitéria respondeu no lugar de Magda:

- Já estou acabando. Quinze minutinhos...

Magda fechou a cara.

- Tá doendo? - perguntou o noivo sem noção.

- Que história é essa de carro do Batman?

- É carnaval, não é?

A noiva se calou. Não queria dar assunto à Quitéria, uma fofoqueira de mão cheia. Ficaram ali um pouquinho além dos quinze minutos previstos. Ele subindo a tela de rolagem do Instagram e curtindo arrancadas e manobras radicais de supermáquinas. Assim que puseram os pés na calçada, Magda quase caiu pra trás. Era literalmente o Batmóvel. Uma réplica perfeita. Ela ficou passada...

- Claudinho, você... Enlouqueceu completamente?

- Fia, não combinamos ir ao baile, lá no Grêmio, hoje à noite? Vou à caráter. A fantasia já está lá em casa! Aliás, você vai do quê?

Ele sabia que Magda detestava ser tratada como "fia". "Fia" era a mãe dele! Ainda por cima, aquilo agora! Desarvorado!

- E pra isso você comprou essa geringonça? Você tem noção que se casou com essa bomba? Ninguém em sã consciência vai querer...

- Fique calma, é alugado!

Cláudio escondia a verdade da moça porque estavam de casamento marcado. Ela endividada com as prestações do sofá, da máquina de lavar e da geladeira. Ele com as mensais e semestrais do apartamento. Doido varrido usou o que não tinha para adquirir a gerin... Digo, o veículo. O vendedor o pescou com o argumento de que o carro teria pertencido só Sean Connery.

- Vem! Eu te levo pra casa!

- Eu? Entrar nisso? Nem morta!

- Vem! Vamos lá, além do mais, você não vai de Cleópatra? Ela já morreu, não morreu?

- Cláudio Henrique (quando ela pronunciava o seu nome composto era sinal de que estava uma fera) - eu disse nem morta!

- Deixe de besteira, docinho de côco... (Ele sabia que ela derretia quando a chamava de docinho de côco). Vamos... Você vai mudar de opinião...

Deste modo, assim, derretida, ela entrou. Os bancos eram super macios e envolventes. O volante quadrado, o painel lembrava o de um avião, tantos eram os botões, os reloginhos e as luzes. Cláudio ligou o motor. Colocaram os cintos.

- Turbinas acionadas! - brincou, sobre o barulho que remetia a um foguete. Magda sorriu amarelo.

- Essa capota de acrílico não sobe? - ela quis saber apenas três quarteirões depois, já com os cabelos esvoaçantes.

- Ô se sobe... - mas ficou só na tentativa. Aperta botão daqui, aperta botão dali... E nada.

Magda ficou ainda mais contrariada. Ao mesmo tempo que desejava estar em casa o mais rápido possível, sabia que a velocidade seria desastrosa ao seu penteado. Cláudio, é claro, ignorou isso, e rumou para a rodovia Tancredo Neves, região metropolitana de São Paulo.

- O que você está fazendo? Quero ir pra casa! Cláudio Henrique, tá me ouvindo?!

- Calma, fia. Quero dar uma esticadinha no menino, ver como se comporta nas curvas, se alcança os 200km/hora mesmo.

- 200km por hora, com essa banheira? Cê enlouqueceu de tudo, Cláudio? Isso aqui vai nos matar!

Hã? - ele fazia , dando apenas impressão de estar interessado nas queixas da noiva. Não, não era possível ouvir nada. O barulho do motor, o vento... E ia acelerando até o talo, de modo que dos olhos deles já vertiam lágrimas arrancadas pelo vento. E cantava pneus nas curvas, e grudavam nos bancos por força dá inércia, e trocava as marchas sob o ronco rasgado de um fórmula 1. Magda se debatia no banco, se agitando, berrando e gesticulando, descabelada feito uma bruxa. Certamente o amaldiçoava. Ele e aquele carro horroroso. E fazia caretas, até que... Viu um botão vermelho no espaço onde geralmente vemos o freio de mão dos veículos. Em sua cabeça de alguém que nunca dirigiu, puxar o freio de estacionamento seria uma boa, senão a melhor alternativa para parar o veículo. E não era.

Não era uma boa alternativa, e não era um botão para isso. Aí sim, Cláudio se preocupou. Ela não podia apertar o botão, mas ele não estava disposto a parar. Já estavam a 195. Em alguns segundos saberia se o carro era tudo o que o vendedor tinha prometido.

- Você não pode! - ele gritou. - Não pode apertar esse botão de jeito nenhum!

- Magda se viu dona da situação. Agora era ela quem se fazia de surda. Não era bom, submeter os outros aos seus caprichos como um bebê mimado? Ele veria, veria só...

- Não, docinho de côco, não aperte esse...

BIP

- ... Botão.

Era um botão ejetor.

- Você me paga! Ela gritou ao mesmo tempo em que era lançada a uma altura inimaginável.

Mesmo assim, pasmem, Claudinho não diminuiu a velocidade, alcançando 240/h a três quilômetros dali.

Quando finalmente parou no acostamento, um sujeito careca emparelhou com ele. Estava a bordo de um Dodge Charger R/T 1970, aquele que Vin Diesel dirige em Velozes e Furiosos, quando encarna Dominic Toretto.

- E aí "bro", 10 mil pr'aquele que chegar primeiro em Campinas?

- Vinte! - respondeu Claudinho.

Somente três horas depois ele resgatou Magda, enroscada numa árvore, num sítio, a cinquenta metros da estrada.

A ex noiva, que iria ao baile como Cleópatra, agora com um braço quebrado, acabou indo de múmia.

Ah, o Claudinho não ganhou a aposta, mas também não perdeu os vinte mil. Deu empate. E o careca vive ligando pra ele, insistindo numa troca dos carros, coisa que o Claudinho nem pensa consentir: tem faturado uns trocados, alugando o veículo para casamentos e bailes de formatura.

GEORGES
Enviado por GEORGES em 04/03/2024
Reeditado em 07/04/2024
Código do texto: T8012394
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