Lições sobre o Método do Conhecimento

A sociedade e as ciências

1.Detalhando o conhecimento

A ciência em si sempre despertou a atenção e a curiosidade dos homens. Alguns se perguntaram se de fato poderiam saber e por quais maneiras chegariam ao conhecimento. Sim, porque ciência vem do latim scire, significando saber, estar ciente. Liga-se ao verbo gnocere que significa conhecer e daí ter-se desenvolvido um ramo da Filosofia, precisamente chamado de gnoseologia, voltado ao estudo com fortes polêmicas sobre o porquê e como do conhecimento humano. Ficou célebre, nesse contexto, o contraponto entre as frases sibilinas e concisas deixadas por Locke e por Leibniz.

O primeiro era um sensorialista e dizia “Nihil est in intelectu, quod prius non fuerit in sensu”, isto é, “Nada está no intelecto que antes não tenha passado pelos sentidos”. O conhecimento vinha, pois, pelos sentidos. Leibniz, com muito escrúpulo, porque Locke já havia falecido, retrucou com três palavras: “Nisi intelectus ipse”, ou seja, “A não ser o próprio intelecto”, procurando mostrar que, se o mundo externo chega ao conhecedor pelos sentidos, somente o intelecto pode elaborar o conhecimento. Kant falava em categorias mentais próprias a cada ser pensante e assim por diante. As disputas foram evoluindo até gradualmente se esvaziarem pelo progresso puramente científico vindo da psicologia do conhecimento. Locke e Leibniz eram pensadores portentosos, mas o seu raciocínio era apriorístico, amarrado em premissas filosóficas, enquanto a moderna psicologia do conhecimento é ramo de uma ciência experimental cujas conclusões se embasam no teste da realidade, como logo se explicará.

As observações acima parecem indicar a existência não de um, mas de vários tipos de conhecimento diferindo entre si, não apenas pela forma pela qual se produzem mas também pela finalidade própria a cada um deles. São, basicamente, três, a saber: o conhecimento empírico, o científico e o filosófico.

Conhecimento Empírico – É aquele que corresponde a uma observação direta da realidade, atenta e criteriosa, mas ainda desvinculada de qualquer veleidade de explicação ou correlação funcional entre os fatos observados. A sua preocupação é mais de índole prática, imediata, utilitária. Visa, em essência, a detectar regularidades ou seqüências nos acontecimentos. Assim, o agricultor, ao observar o céu, acaba percebendo que, quando um determinado tipo de nuvem se forma sobre aquela montanha, em um ou dois dias estará chovendo. Não lhe interessa saber porque isso ocorre, mas sim que ocorre. O mesmo se diga de uma mãe: sem ter estudado psicologia, consegue prever com razoável exatidão as reações de sue filho, ou de seu marido, diante de certos eventos. Trata-se de um conhecimento comum, útil e necessário para o dia-a-dia de todos. E pode ser chamado de conhecimento casual, porque se faz caso a caso, sem a preocupação de generalizações mais amplas e abrangentes.

Conhecimento Científico – Parte do primeiro, no que diz respeito à observação metódica e à detecção das regularidades. Mas sua ambição é maior, ele visa a estabelecer relações de causa e efeito entre os fatos observados com o intuito de explicá-los, usando para tanto o método científico consistente na experimentação, ou seja, na coleta de dados orientada a um fim desejado, o controle dessa coleta e o estabelecimento de relações não puramente classificatórias mas funcionais entre eles. Trata-se de um conhecimento não casual, mas causal, porque fundamentalmente preocupado em estabelecer as causas. E quanto mais abrangentes elas forem, melhor, porque, destarte, fenômenos aparentemente distantes e desconexos poderão ser ligados e reduzidos a explicações comuns.

Conhecimento Filosófico – Este é o mais difícil de definir e de ter precisados os seus contornos. Ele almeja transcender a pura explicação científica para enfeixar toda a fenomenologia ou grande parte dela numa visão ou numa explicação global de caráter universal. A preocupação do filósofo não é com um evento, nem mesmo com um conjunto deles, mas com a totalidade dos eventos, pelo menos dentro de um amplo espectro ou setor da realidade. Tal enfeixamento explicativo acaba levando normalmente a se vincularem os diversos sistemas e escolas filosóficas a uma dada constelação de valores. Fala-se assim numa filosofia cristã, judaica, existencialista, e assim por diante. A Filosofia pretende, em última análise, a busca das causas últimas e remotas e não das causas próximas ou específicas, estas no campo do conhecimento científico. Daí a distinção dos filósofos entre gnoscere per causas e gnoscere per altíssimas causas: o conhecimento não pelas simples causas, mas pelas causas remotas, próprias da Filosofia.

Pelas suas próprias características, o conhecimento científico destina-se à explicação dos fenômenos. Mas, à medida em que o faz, acaba permitindo também, dentro de certos limites, a sua previsão. Os astrônomos prevêem os eclipses futuros com notável acuidade e precisão. Os economistas prevêem, com maior margem de erro, taxas futuras de inflação ou de crescimento da economia; cientistas políticos determinam tendências para as posições governistas ou oposicionistas em função da dinâmica da própria vida política. Tais tarefas, explicar e prever, exigem rigor de raciocínio e maestria no método de pesquisa para terem chances de sucesso. Mas demandam, sobretudo, espírito de veracidade e de humildade. A veracidade para perseguir objetivamente aquilo que se apresenta como aderente à realidade e a humildade para aceitar não serem as verdades absolutas e, sobretudo, não existir proposição científica a se impor por si só e a dispensar o teste da realidade, experimentalmente produzido.

Por outro lado, a humildade implica também reconhecer que a ciência nada prova. Ela apenas fornece os métodos e o embasamento analítico destinados a permitir sejam contestadas determinadas proposições tidas até então como verdadeiras. E se a contestação tiver êxito, as antigas proposições serão substituídas pelas novas até que estas últimas, eventualmente, também o sejam por outras e assim por diante. A ciência pode ser vista como um jogo sem fim. E o parceiro que entenda deter uma proposição imune à comprovação retirou-se desse jogo. Estará noutro campo: no da religião, no da ideologia ou da magia; não no da ciência.

2.Tratando da Ciência

Claramente, enquanto não se demonstrar a maior eficiência explicativa das novas proposições, as antigas continuarão sendo aceitas. Mais uma vez o jogo da ciência prossegue não para consagrar definitivamente o já estabelecido mas para, indiretamente, permitir uma consagração provisória enquanto as novas explicações submetidas ao teste da realidade não ganhem pontos suficientes para tomar o lugar das anteriores. É o chamado método científico-experimental, cujas bases foram lançadas por Galileu no início do século XVII. Vale aqui fazer a distinção entre ciências exatas e ciências sociais.

Não é das mais felizes a distinção, por implicar a conotação de serem inexatas as últimas. Na realidade, elas se diferenciam não tanto pelo grau de exatidão absoluto, mas muito mais pelo número e complexidade das variáveis que lhes são próprias. As ditas ciências exatas ou ciências da natureza são, em geral, conceitualmente mais simples. Com um número bastante reduzido de variáveis pode-se oferecer uma explicação virtualmente completa para um dado fenômeno. Vejam-se as grandes leis ou teoremas da física, da química ou da astronomia. As leis de Newton, de Kepler e de Galileu relacionam duas ou três variáveis. E mesmo quando elas são em maior número, como na física teórica moderna, não sofrem influências maiores umas das outras, além de terem um comportamento bastante estável.

Não é o caso das ciências sociais, cujo campo é coalhado de cariáveis. Pior ainda, elas apresentam comportamento bem mais oscilante e irregular, verificando-se uma permanente interação, ou seja, um processo de ação e reação muitas vezes em cadeia, tornando difícil a sua análise e tratamento estatístico. Mas isto tudo não significa não poderem elas, as ciências sociais, chegarem a graus aceitáveis de exatidão e de capacidade preditiva, como tem sido demonstrado ao longo da era contemporânea quando adquiriram foros de ciências autônomas, deixando definitivamente o berço filosófico onde eram antes embaladas. Há, porém, a apontar um fator de perturbação bastante sério nas ciências sociais: é o fato de nelas o homem ser a um tempo o seu sujeito e o seu objeto. Em outras palavras, aquele que pesquisa, examina e prevê, faz, normalmente, parte da realidade pesquisada. Daí a possibilidade de vieses de julgamento, decorrentes de envolvimento pessoal, a toldar indesejavelmente a necessária objetividade. No entanto, o extraordinário progresso registrado nas técnicas de amostragem, de coleta, de tratamento de dados e, sobretudo, de testes de resultados, inclusive, via simulação computadorizada, tende a neutralizar ou a minorar a apontada dificuldade, o que também se consegue com a conscientização pelo pesquisador quanto à existência do problema.

Trata-se, aparentemente, de um labirinto inextrincável, uma espécie de caos científico, insuscetível de ser apreendido, seque ordenado. Mas, na realidade, as coisas não passam assim. As ciências sociais, ao longo dos últimos dois séculos, lograram desenvolver métodos estatísticos que se têm revelado bastante eficazes em permitir uma análise rigorosa dos dados, filtrando os fatos essenciais, de modo a produzir resultados aptos não apenas a explicarem o seu mundo, mas, igualmente, a ensejarem, sempre dentro dos limites, um razoável grau de previsibilidade sobre os eventos futuros.

Enrico Vizzini
Enviado por Enrico Vizzini em 25/05/2008
Código do texto: T1004798