São Paulo

São Paulo.

Estava voltando das compras no Brás* e passando pela zona do Mercado, que é uma “zona” mesmo, vi uma cena quase inenarrável.

Três moradores de rua, aliás, corrigindo: moradores de algum viaduto no Parque Dom Pedro I (ou II?), chamaram a atenção de várias pessoas que estavam no mesmo ônibus que eu.

Um deles estava fazendo comida numa lata enorme, assentada sobre alguns tijolos e uns restos de caixote em brasa.

Fazia sabe-se lá que tipo de “almoço”, um outro selecionava entre os restos de tudo com qualquer coisa, legumes, pareciam batatas, meio podres ou talvez fossem nhames, meio podres, ou nabos, meio podres.

Só sei que eram restos podres que eles cozinhavam.

O terceiro estava lavando, esfregando literalmente, com escova e tudo, uma calça jeans.

A parte mais chocante, é que a água que eles três utilizavam era de uma enorme poça d´agua. (choveram dilúvios naqueles dias)

Mas aquele homem esfregava direitinho, com um outro resto podre de sabão (sabão apodrece?) uma calça jeans bem pra lá de surrada. (calça podre)

O que será que levou aqueles três homens a morarem, sem moradia?

Um “morador de rua” tem residência? Habita a rua? Reside, vive? Encontra-se; acha-se???

- Bem.... Meu endereço hoje é viaduto Dr. Zé Ninguém.

- Não, não.... de baixo do viaduto.... número???? Sem número mesmo.

- Ah! Amanhã??? Isso não sei não senhor.....

A cena é muito incomum, pois todos sabemos que moradores “de rua” comem o que ganham.

As igrejas e alguns outros espaços de “santos” oferecem café-da-manhã, almoço e jantar. Tem albergues que os alimentam, dão banho, roupa limpa, corte de cabelo.

Pessoas religiosas, por caridade ou por barganha**, à noite saem distribuindo lanches, sopas e até chocolates e outras guloseimas.

Essa interrogação não me sai da cabeça..... Essa noção de moradia que aqueles três conservaram, à beira de um trânsito dos piores de Sampa, num lugar onde sobram ratos e baratonas (sim, são baratonas saradas) é alvo de reflexão, indagações e perplexidade.

Grande metrópole essa merda de cidade, maiores ainda são os problemas que a indiferença causou. Criança de rua, moradores de rua, mulheres de rua. Ruas podres.

Ruas que nem quem é de rua tem coragem de passar.

Quem é de rua?

Prédios inteiros abandonados, podres. Prédios de rua. Seres da rua, de rua.

O que é: criança de rua? Morador de rua?

Tem tanta gente de rua, na rua, que tá difícil saber onde é o lugar correto de morar.

Essa é a resposta que eu estava procurando: aqueles três homens ficaram confusos e “sem querer” estavam morando sem moradia.

* Brás – bairro onde todos compram “lixos” achando que é uma “pechincha”

**barganha – negociação que pessoas “de casa”, “de apartamentos’ e “de condomínios” pensam que fazem com Deus. Elas fingem que ajudam os “de rua” para que um dia possam ser “de céu”.

Dalva Marisi Gallo
Enviado por Dalva Marisi Gallo em 07/12/2008
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