O NATAL E O CAPITAL

Não há quem não se admire com o clima de natal estampado nas decorações das igrejas, comércios, residências e, principalmente no olhar sereno das crianças. No Compêndio do Vaticano II ao se ler “o conteúdo profundo da verdade seja a respeito de Deus seja da salvação do homem se nos manifesta por meio dessa revelação em Cristo que é ao mesmo tempo mediador e plenitude de toda a revelação”(Dei Verbum), pode-se entender que é Jesus Cristo quem dá significado para as pessoas viverem suas vidas. Naturalmente, para os cristãos, o natal é uma época propícia para se comemorar o nascimento do menino Deus/ Jesus Cristo. Portanto, é o tempo de renascer para as coisas do alto, para os dons concedidos por Deus: a fé, o amor, a reciprocidade, a temperança, a comunhão, [...]. Este é o mote que deveria sempre conduzir os cidadãos e, de modo particular, todos os cristãos ao longo de suas relações sociais cotidianas.

Entretanto, o mundo do capital perverteu esta lógica e outro personagem tem recebido um destaque privilegiado pelo espírito natalino. Assim sendo, temos o papai Noel, o bom velhinho, que traz os presentes para alegrar os corações e mentes. Não é surpresa para ninguém escutar - lá pelas tantas - um papai Noel/ trabalhador falar que os presentes são as exteriorizações que visam expressar o quanto gostamos/amamos aqueles que nos são próximos. Deste modo, é fácil perceber que a centralidade natalina passa a girar em torno da festa, da comida, das roupas novas, dos calçados da moda, das bebidas e, por conseguinte, vemos o deslocar do foco do natal para o consumismo frenético-compulsivo.

Via de regra, no capitalismo tudo é forçado a se tornar mercadoria, até mesmo a mais nobre das intenções. Com propriedade D. Helder Câmara afirmou: “o capitalismo é intrinsecamente pecaminoso”. Ora, se trata de um sistema que sobrevive pautado no lucro e na centralização de riquezas nas mãos de uma minoria em detrimento da maioria. Sua lógica de perpetuação exige a acumulação do capital que decorre da exploração da mais valia. O trabalhador não é dono do que produz. E, para haver os “bem sucedidos”, muitos são aqueles que devem perder diuturnamente. Neste sentido, ninguém abre uma fábrica de chocolates e contrata funcionários para fazer caridade e se comprazer ao distribuir gratuitamente o fruto da sua empresa para ver as crianças sorrirem, senão para ganhar dinheiro e acumular(se possível) fortunas com esta atividade.

Portanto, dado que o natal é uma data especial para a reflexão, torna-se oportuno questionar sobre o que Jesus faria diante desta forma de organização social que empurra necessariamente a maioria das pessoas para a marginalização? O que é mais importante: o poder ou a vida das pessoas. Indubitavelmente, estas são algumas questões que se levantam e que trazem desconforto para os poderosos de plantão. É preciso que se assevere sempre que Jesus veio para que “todos tenham vida e a tenham em abundância”, este é o verdadeiro sentido do natal. Deste entendimento depende a secundarização do afã pelos presentes natalinos.

De diversos modos, utilizando-se de meios orais ou escritos, muitos seres humanos (uns famosos outros nem tantos) apresentam suas ignomias para com aqueles que se entregam ao consumir e se esquecem dos valores espirituais e humanos. Esta indignação é louvável e altamente compreensível. Entretanto, em última análise, todo discurso não passará de um mero palavreado, se não vier acompanhado da luta para transformar o modo como as pessoas estão a reproduzir as suas vidas socialmente. Portanto, só se verá o verdadeiro espírito de natal quando o espírito capitalista - hóspede mordaz de cada ser humano -, enfim, for expurgado/superado. Logo, no limite, fazer a experiência de Jesus no natal é adiantar o princípio do fim do capital.

SolguaraSol
Enviado por SolguaraSol em 23/12/2008
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