O Rádio

Meu pai sempre dizia que o rádio era um objeto especial, único. Sempre comentava sobre o fato de o surgimento do computador, da televisão, da Internet, dos celulares e de toda a tecnologia atual nunca ter conseguido causar o desaparecimento total deste veículo de informações indispensável no dia-a-dia de tantas pessoas, até porque, como ele mesmo dizia, existem canais na TV e sites na Internet que transmitem os programas das rádios ao vivo, assim como mesmo os mais sofisticados celulares têm a sua opção AM ou FM.

Todos os domingos em que o Flamengo jogava, ele me levava ao estádio, sempre acompanhado de seu rádio, que, mesmo para a época, já era considerado “ultrapassado”, por usar enormes baterias acopladas e não ser à pilha, como já estava se tornando comum.

Eu sentia vergonha quando ouvia risadinhas ou comentários das pessoas ao redor sobre a nossa “alienação sobre tecnologia”, mas a animação que eu e meu pai sentíamos ao ver o gol ao vivo e ouvir o radialista gritar: “Goooool!” era tão grande que me fazia esquecer que o nosso rádio era um dos maiores motivos de chacota na escola e no bairro. Nós pulávamos, gritávamos, nos abraçávamos e xingávamos o juiz quando o gol era anulado “injustamente”. A felicidade era tanta que alguns nos consideravam “pirados”, o que, muitas vezes, era considerado o motivo de termos aquele rádio.

Todas as tentativas de convencê-lo a comprar um aparelho novo falharam, e nas inúmeras vezes em que tentei dar a ele um rádio à pilha de presente, ele colocou na cozinha ou deu para o próximo que fez aniversário.

Os anos foram se passando e a saúde de meu pai foi enfraquecendo. Uma doença grave no fígado o impossibilitou de continuar indo aos jogos comigo, me fazendo assistir os jogos apenas na TV. Mas meu pai não aceitou isso, e me fez prometer que continuaria indo ao estádio e que não deixaria de levar o seu rádio. Demorei um pouco para aceitar, mas conhecendo a teimosia dele, percebi que não tinha como negar.

A saúde de meu pai foi piorando e percebi que o rádio estava ficando com defeito. Procurei em todos os lugares da cidade alguém que soubesse consertá-lo, mas todos me aconselharam a comprar um rádio novo.

Após comunicar meu pai, acabei comprando um aparelho novo, e, alguns dias depois, fui avisado sobre seu falecimento. O antigo rádio que eu tanto desprezava acompanhou todo o velório de meu pai e foi colocado ao lado de seu túmulo.

Atualmente, continuo seguindo os jogos do Flamengo aos domingos, com meu rádio que já está ficando “ultrapassado”, mas sei que, onde quer que meu pai esteja, ele está orgulhoso por eu não ter trocado o tão querido “veículo de informações do início do século XIX” pelas “modernidades”, e finalmente ter entendido a instigante reflexão deste objeto.