O relógio da vida: Não pára. Apenas abre portas.

O relógio marcava as horas. Era a hora. Andou com seus passinhos curtos e arrastados, com sua bengala guiando-o pelo caminho.

Andou pelo caminho já conhecido e chegou em seu destino. Parou ao lado de um banco, na praça. Então, subitamente, disse em sua voz calma e serena:

_ Tem alguém aí?

Ninguém respondeu. Repetiu:

_Tem alguém sentado?

Novamente, ninguém respondeu.

Tateou e encontrou o banco vazio. Se sentou.

E era assim, na cidade de ..........., que esses fatos sempre aconteciam. Era dia 31 de agosto de 1974, 14:45hs.

E sempre a mesma bengala, pelo mesmo caminho, com os mesmos passos, com o mesmo destino. Sempre parava ao lado do mesmo banco, fazia as mesmas perguntas, e sentava do mesmo modo, com os mesmos tateados.

Ele sentava, e ouvia. Ouvia as crianças brincando, os passarinhos piando, os adultos gritando e os esquilos pulando. Ouvia os carros correndo e as árvores dançando ao ritmo do vento.

Ouvia tudo muito atento, com lembranças fluindo em sua mente.

Já era até conhecido na pequena cidade, por estar sempre ali no mesmo horário, sentado.

Era um senhor idoso, que muitos achavam estranho. Devido à idade e à cegueira, tinha muitas dificuldades, mas nunca pedira ajuda a ninguém. Aliás, nunca falara com ninguém. Além de cego, julgaram-no mudo.

Permanecia ali sentado por um bom tempo e ia-se embora, fazendo o mesmo caminho de volta.

Todos olhavam, alguns comentavam, mas ninguém se intrometia. Continuavam suas pacatas vidas pensando que o velho estava apenas pegando um ar fresco e se esquentando no sol.

E isso se repetia dia após dia, semana após semana, mês após mês...

Até que finalmente alguém decidiu se intrometer. Talvez por estar intrigado, emocionado ou por Ter dó, alguém quis ajudá-lo em um dia de dificuldade:

Era a mesma tarde rotineira na cidade e o velho já se encontrava no banco. Permaneceu lá até a hora que se cansou e decidiu ir embora, mas algo deu errado em sua rotina, quando ia se levantando, deixou sua bengala cair. Ela foi rolando pela praça até a calçada, onde um bando de pedestres apressados foi chutando-a.

O velho se jogou no chão e começou a tatear, procurando por sua bengala. Já com dores nos joelhos e na coluna, o velho percebeu que alguém o ajudava a levantar e entregava sua bengala:

_Creio que isto seja seu.- disse dr. Cool lhe entregando a bengala.

Dr. Cool era um respeitável psicólogo daquela cidade e há muito já estava interessado no caso. Achara uma ótima oportunidade de se aproximar do velho, quando a bengala batera no seu pé.

Agora entregava a bengala ao velho, ansioso para ver sua reação.

O velho pegou a bengala e se sentou novamente, dizendo:

_ Sinto que você é uma boa pessoa. Sente-se.

Dr. Cool, com espanto por ouvir o velho falando, sentou-se ao seu lado.

Os dois começaram a conversar sobre disfarçados olhares curiosos. Dr. Cool descobrira muita coisa sobre o velho naquele dia:

O nome dele era Phil. Phil fora uma pessoa muito fechada desde a infância. Seu problema de visão era um fardo que ele carregava penosamente. Todos sempre o excluíram das brincadeiras e conversas. Não tinha família. Sempre morou no orfanato de Bewsville e quando completou a maioridade, o orfanato lhe mandara para uma pequenina casa em Reverglah, onde estava até hoje.

Segundo ele, não tivera infância e o mundo nunca lhe oferecia novas chances nem oportunidades.

Superara suas dificuldades sozinho e seu único sustento e amparo era a casa amparadora, uma pequena empresa que ajudava os mais necessitados, em Reverglah.

Phil acabou por desistir de lutar e se conformou em se fechar em um mundo apenas seu.

Ficava sentado naquela praça, sentindo tudo o que perdera em sua vida. Tentava buscar lembranças que não existiram. Todos os dias tinha esperança de ainda ser feliz um dia e esse sonho se esvaía a cada momento que ele passava naquela praça, pois a esperança estava caindo na penumbra do esquecimento.

Dr. Cool ouviu atentamente tudo que Phil lhe contou. Que história incrível! Inacreditável! Não tinha amigos, parentes, nem possibilidades de sustento. Dependia de uma sociedade anônima para sobreviver! Após constatar que já estava tarde, Dr. Cool acompanhou Phil até sua casa, aonde disse-lhe que um carro passaria ali amanhã, às duas horas(Phil sabia as horas pelas badaladas do grande relógio no topo de um prédio de Reverglah, para levá-lo até seu escritório, onde deveria entrar e aguardar que Cool lhe abrisse uma porta de maçaneta triangular. Quando quisesse ir, era só sair do escritório, que o carro lhe levaria para casa. Apesar de não entender muito bem, Phil concordou e adentrou em sua pequenina casa, em Reverglah.

No dia seguinte, às duas horas, um carro parou em frente à casa de Phil. Phil já o aguardava. Entrou no carro guiado por um homem.

Depois de um tempo, Phil sentiu que o carro havia parado e o motorista novamente o guiava, puxando-o pelo braço.

O motorista deixou Phil em uma sala e saiu.

Phil tateou e encontrou a porta da maçaneta triangular. Bateu. Nada aconteceu. Bateu novamente e chamou pelo Dr. Cool. Nada.

Tateou pela sala e achou um banco, onde se sentou. Pensou em abrir a porta, mas lembrou-se de que o dr. Cool havia dito que ele quem iria abrir a porta.

Esperou. O silêncio pairava. O único som que Phil podia ouvir era o de um relógio cuco.

E o tempo passou...

Após constatar que já eram quatro horas, Phil saiu daquele lugar, pensando que não passara tudo de uma brincadeira de mau gosto.

Mas, no dia seguinte, alguém batera à porta de Phil às duas horas.

Phil abriu e se identificou, Dylan, o motorista que o levara. Disse que estava ali a pedido de dr. Cool Dylan havia trazido Phil até sua casa e Phil havia reclamado da porte, dizendo que não gostava de brincadeiras. Mas isso fora outro dia, e hoje estava de volta...

Falou a Phil que não era uma brincadeira e conseguiu convencê-lo a ir novamente.

Foi tudo idêntico ao outro dia: ninguém abriu a porta e Phil voltou para casa.

No dia seguinte, Dylan foi até a casa de Phil outra vez e conseguiu convencê-lo novamente.

Ninguém abriu.

E isso se repetiu.

Até que no quinto dia, Phil se invocou e abriu a porta.

A porta rangeu e Phil pôde sentir um bom cheiro de móveis naquele lugar. Apesar de Phil ainda não Ter constatado isso, Cool estava na sala, sentado em uma cadeira.

Vendo que Phil estava parado, incapaz de tomar uma decisão do que fazer, Cool se levantou e o guiou até uma cadeira.

Cool sentou na frente de Phil e começou a dizer:

“Phil, você finalmente pôde superar uma grande barreira. Deixe-me explicar: Eu lhe disse que eu mesmo abriria a porta quando você viesse e você deixou isso te dominar. Você quis abrir a porta, mas não pôde. O que quero dizer é que você deve fazer com sua vida o que fez com a porta. Em sua vida haverá muitas portas que ninguém abrirá para você, você é quem tem que abri-las. Você me disse que o mundo não lhe oferecia oportunidades, mas é você quem tem que criar as oportunidades. Não se pode mudar a sua vida. Você não só pode, como deve ser feliz”.

Phil apenas ouviu. Constatou que o relógio da vida não havia parado.

Depois daquele dia, Phil viveu muito mais feliz.

Fez novos amigos e encarou seu problema como uma porta fechada que ele tinha que abrir. Viveu muito melhor até o último de seus dias. Lágrimas escorreram com o fim de sua passagem terrena, ,as sorrisos se abriram com o início de uma vida rumo à felicidade eterna de uma paz serena como as águas que dançavam no rio, à beira da cidade de Reverglah.

“Em homenagem a alguém que sonhava com algo que se tornou realidade. Parabéns, Phil, por sua eterna existência.”.

Brunors
Enviado por Brunors em 08/06/2006
Código do texto: T171983