O vagabundo sou eu

Quero viver a vida que me foi negada, não pedi essa vida, ela me foi dada, não quero a miséria que passeia pela minha rua. Quero a vida bela que me prometeram, onde está o deus que disse ser meu criador? Não quero o sofrimento como pagamento para ganhar o reino dos céus. O vagabundo pede esmola na escada da igreja. Ouvi dizer que ele já esteve em Paris, foi fazer uma visita a nossa amiga Simone e ao seu marido, um cara chamado Sartre. Quero fazer uma festa a cada dia, não quero a miséria como passaporte para ganhar o paraíso divino. O vagabundo não sabe ler, sequer sabe o próprio nome, como poderia conhecer Paris?

Coisa de existencialista do século 21, olho ao meu lado e vejo a fome no rosto das pessoas, os marxistas de plantão, estão neste exato momento almoçando com o presidente. O retirante também quer o poder, o poder de ter um trabalho, o poder de comprar comida. O vagabundo quer uma camisa limpa, quer sua vida de volta. Enquanto me nega a a felicidade na terra, os bandidos que se consideram o topo da pirâmide passeiam seu cinismo lá pelo planalto central, coisa de existencialista do terceiro mundo. O vagabundo sou eu, e todos os sem pátria, parias fugitivos dos genocídios africanos, provocados pelos vendedores de armas. O vagabundo sou eu, na imagem de uma criança faminta, ou no olhar de uma mulher desesperada por ver seus filhos morrendo de fome.

O rei não está nu, mas o vagabundo sim, o rei está feliz, o vagabundo carrega sua miséria pelas ruas empoeiradas das grandes cidades. Já não constroem escolas, somente presidios, verdadeiros amontoados de seres diabólicos, frutos de uma sociedade falida. A favela não precisa de escola, pobre não precisa pensar, somente usar a força. O vagabundo sou eu, sou o choro dos excluídos, sou o choro dos fugitivos da seca, cantados nos versos do Patativa do Assaré. E ainda nos dizem que somos o futuro, que futuro? que sonho? O pesadelo mora ao lado. Quero a vida que me foi negada! Não pedi para carregar essa vida que me foi dada. Quero ser dono dos meus sonhos, não quero a miséria que passeia pela minha rua. Coisa de existencialista do terceiro mundo. O vagabundo não sabe ler, e vejo a sua imagem refletida em mim. Eu o cretino que acredito ser o intelectual do século 21.

velho beat
Enviado por velho beat em 04/07/2006
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