A PONTE DO PRECIPÍCIO - romance - parte XIII

Jorge não aprendera a perder. Era um sujeito calculista e duro. Para ele tudo tinha que se dar como planejara, de uma forma ou de outra. Doía-lhe o ter sido logrado em seu intento de atrair mais um para o tráfego com potencial de convencimento para ampliar o movimento das bocas. Supunha que era fácil convencer o “caipirinha” do interior, mal remunerado e sem profissão alternativa, para trabalhar para o chefe. Agora sabia que Nelson era um sujeito “duro na queda”. Não era fácil convencê-lo a fazer o que não lhe cheirava bem. Se já o admirava por sua conversa inteligente e seus modos de ser e de agir, agora se convenceu de que ele era imprescindível para o patrão. De forma alguma poderia deixar escapar uma peça com tamanho potencial. Cheio de revolta por ter sido simplesmente ignorado pelo “caipira” metido a inteligente, foi falar com o chefe.

Depois de novamente elogiar o candidato, o que o irritava profundamente porque ele lhe passara a perna nas vezes anteriores, o chefe disse para usar qualquer método que achasse conveniente, mas que trouxesse o homem para seu lado, convencido a trabalhar para ele. Poderia, inclusive, acenar-lhe com um pacote de dinheiro, talvez assim o subornasse. As ordens eram claras. Devia usar de todos os métodos – e nisso o Jorge era profissional – para convencê-lo.

Começou a armar o circo. Procurou seus comparsas, que nessas horas, por qualquer dinheirinho lhe eram fieis colaboradores,

– E então, galera, estão prontos para fazer um servicinho hoje de noite?

– Você sabe que caindo algum, a gente estamos no pedaço. Qual é o serviço, cara?

Jorge resumiu o que tinha que ser feito.

– Vocês conhecem bem a subida daquele morro, não conhecem?

– Lá onde a gente despachamos aquele cara que não pagava as contas pro teu chefe? Claro que conheçemo.

– Pois é. Vocês se escondem no escuro da esquina da rua que sobe para aquelas casinhas lá em cima. Ele mora numa delas.

– Já entendi. A gente se esconde e, quando ele passa pega ele e... tem que despacha o cara desta pra melhor?

– Nada disso, quero o homem vivo. O trabalho de vocês é dar uma surra no homem pra ele nunca mais se esquecer dela. Assim ele fica mais manso para a conversa que quero ter com ele.

– Isso é moleza! E o que a gente faz depois?

– Deixa ele lá e vão embora para ninguém ver quem foi que fez o serviço nele.

– Tá bom!

– Vamos combinar uma coisa: vocês estão lá escondidos. Se ele vem sozinho, é sinal que arranjei tudo na boa. Deixem ele passar e vão embora. Se é pra fazer o serviço, eu venho antes dele para avisar, mas não quero que ninguém me veja com vocês. Tá combinado?

– Tá. Mas como vamo conhecê o homem?

– Agora estou indo para o bar do Mauro. Vocês entram lá daqui a uma meia horinha para tomar uma pinga e vão me ver sentado naquele canto. Ele vai estar na mesa comigo. Gravem bem a fisionomia dele e vão para se esconder no lugar que falei pra vocês.

– Pode deixá comigo.

– Tem aí uma parte do pagamento para tomar umas pingas e o resto pago depois. Tá certo assim?

– De acordo – disseram os três, pegando o dinheiro.

Jorge dirigiu-se ao bar do Mauro. Sentou-se à mesa de costume e pediu a bebida. Não demorou muito o Nelson entrou no bar e, vendo o homem no seu canto preferido, para ele se dirigiu e pediu licença para fazer-lhe companhia. Sua intenção era explicar-se quanto à sua saída repentina do local da festa do outro dia. Com a costumeira disfarçada amabilidade o Jorge pediu que puxasse a cadeira.

– Então, como tem passado. Fazia dias que queria falar contigo, mas a gente sempre se desencontrou.

– Pois é, nunca mais encontrei você. Queria pedir desculpas por ter me retirado ás pressas da companhia de vocês naquela noite. Não me sentia muito bem. Coisa passageira, sabe!

– Isso acontece com os vivos, não é mesmo? Falando nisso, o chefe quer ver você.

– Me desculpe, mas acho que foi exatamente o barulho do lugar que me fez mal. Se me permite, não vou mais voltar pra lá.

– O barulho não tem nada a ver.

– Assim mesmo eu não quero mais voltar lá.

– Você quem sabe, mas o chefe disse que era para avisá-lo para voltar o quanto antes. E, quando ele quer uma coisa, ele quer ser obedecido.

– Vamos fazer o seguinte: vá e diz para seu chefe que eu também sou teimoso e, quando decido uma coisa, ninguém me convence fazer o contrário.

– Se eu fosse você, iria. Pode ser muito vantajoso. O chefe me disse que muito dinheiro o está esperando.

– Por enquanto estou bem assim.

– Quer dizer que não vai aproveitar o que o chefe tem para oferecer. Olha que ele gostou muito de você! Mas quando o contrariam, se torna perigoso.

Visivelmente contrariado, Jorge esvaziou o seu martelo e levantou-se da sua cadeira cativa, despedindo-se, pretendendo aparentar calma. Quando Mauro o viu sair pela porta do bar, acercou-se do amigo Nelson, que ficara com a tranquilidade de sempre sentado à mesa.

– Parece que seu amigo não gostou muito da conversa.

– Nada não. Ele quer uma coisa com que eu não concordo. Só isso.

– Tome cuidado com esse cara. Não é flor que se cheire!

– É exatamente porque não quero me meter em maiores encrencas que não topei a proposta dele.

– Assim mesmo, tome cuidado. Parece que ele saiu furioso do bar.

Mauro foi atender outros fregueses. Nelson terminou de tomar sua “latinha” e foi para casa.

Já era começo da madrugada. Alguém que descia o morro rumo ao centro do Rio, viu um corpo estendido na calçada. Pensou tratar-se de mais um dos muitos crimes de morte que aconteciam por aqueles lados. Mas um gemido, embora fraco, chamou-lhe a atenção. O homem ali deitado não estava morto. Embora isso não fosse muito do feitio dos passantes das ruas do Rio de Janeiro, principalmente em altas horas da noite, o dever de justiça e a consciência dos cuidados com os males do próximo falaram mais alto naquele homem. Tinha que fazer alguma coisa. Olhou para todos os lados e, não vendo perigo iminente, certificou-se de que o ferido estava realmente vivo. Constatando o fato, foi até o primeiro orelhão que encontrou e ligou para o resgate, indicando o local certo para que os policiais tomassem as devidas providências. Feito isso e, com a sensação do dever cumprido, continuou seu caminho. Não dera ainda cem passos quando passou por ele a viatura chamada. Eles saberiam o que fazer, pensou, e, agradecendo silenciosamente a Deus por lhe ter sido dada a oportunidade de ser útil a seu próximo, continuou tranqüilo seu caminho para casa.

Afonso Martini
Enviado por Afonso Martini em 27/10/2009
Reeditado em 23/09/2012
Código do texto: T1889385
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