Aufklärung

Resposta à pergunta: o que é Esclarecimento?

Immanuel Kant

Traduzido por Luiz P. Rouanet

Esclarecimento (Aufklärung) significa a saída do homem de sua minoridade, pela qual ele próprio é culpado. A minoridade é a incapacidade de se servir de seu próprio entendimento. É a si próprio que se deve atribuir essa minoridade, uma vez que ela resulta da falta de resolução e de coragem. Sapere aude! (Ousa saberHorácio, Epistulae, livro 1, carta 2,verso 40.) Tenha a coragem de te servir de teu próprio entendimento. Eis o que é Esclarecimento.

A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma parte dos homens comprazem-se em permanecer menores. É tão cômodo ser menor. Se possuo um livro, um diretor espiritual, um médico que possua o entendimento por mim, não preciso esforçar-me, se é suficiente pagar. Que a maior parte da humanidade (incluindo o belo sexo) considere o passo a dar à maioridade como penoso e perigoso é por culpa desses mesmos tutores.

É difícil, para todo homem individualmente, livrar-se dessa minoridade que é uma espécie de segunda natureza. Preceitos e fórmulas são os entraves desse estado de minoridade que se perpetua. São poucos os que, pelo exercício de seu próprio espírito, libertaram-se dessa minoridade.

Que um público esclareça-se a si mesmo é possível, mesmo que a liberdade for limitada. Pois, se encontrarão homens pensando por si mesmos (livres da segunda natureza) que difundirão o espírito de apreciação pelo ‘sair da minoridade’ – pensar por si mesmo. É nocivo inculcar preconceitos, pois acabam vingando nos seus autores. É por esse motivo que um público só pode aceder lentamente ao Esclarecimento. Uma revolução jamais estará na origem da reforma de pensar, pois que novos preconceitos servirão de rédeas ao maior número, incapaz de refletir.

Esse Esclarecimento exige a liberdade, isto é, fazer uso público de sua razão. Mas ouço clamar de todas as partes: não raciocinai. Em toda parte só se vê limitação da liberdade. Que limitação constitui obstáculo ao Esclarecimento? Resposta: o uso público de nossa razão deve ser livre, ele pode difundir o Esclarecimento; o uso privado da razão deve ser limitado sem que isso se constitua um obstáculo ao Esclarecimento. Por uso público da razão se entende o que fazemos enquanto sábios para um público específico (o que lê). Por privado, se entende aquele que é autorizado a fazer uso de sua razão em um certo posto civil. Nos cargos públicos não é permitido argumentar, antes é preciso obedecer. Um erudito que se dirige a um só público, por meio de seus escritos, pode raciocinar sem, no entanto, desrespeitar o seu tutor o qual deve obedecer enquanto funcionário. Caso contrário, seria muito nocivo, por exemplo, um oficial, tendo recebido ordens de seus superiores, pôr-se a raciocinar quando deveria tão-somente obedecer. Mas não se pode proibir-lhe fazer as observações sobre as faltas cometidas, (uso privado da razão) e, assim por diante, no que se refere aos demais cargos públicos aos quais estão ligados as mais variadas pessoas. Levando isso em conta (a obediência) estes não são livres e não tem o direito de sê-lo, pois executam uma missão alheia à sua pessoa. Em contrapartida, enquanto erudito (uso público da razão), por meio de seus escritos, fala ao verdadeiro público, o mundo e ao fazê-lo o faz em seu próprio nome.

Uma sociedade de eclesiásticos não deveria ter o direito de comprometer-se mutuamente para, assim, manter sob tutela seus membros e o povo perpetuando a tutela? Não, porque é impossível. Tal contrato concluído para proibir para sempre o Esclarecimento, é completamente nulo mesmo para o poder supremo, mesmo pelas Dietas do Império e pelos tratados de paz. Porque uma época não tem o direito de se aliar e conspirar para tornar obscuro o entendimento para a seguinte. Seria um crime contra a natureza humana. A pedra de toque é a seguinte questão: um povo imporia a si mesmo uma tal lei? Um homem pode pessoalmente retardar o Esclarecimento em relação ao que ele tem a obrigação de saber, mas renunciar a ele significa lesar os direitos sagrados da humanidade e pisar-lhe em cima.

Um povo sequer é autorizado a decidir-se por si mesmo, um monarca tem ainda menos direito de fazê-lo. Aquilo que diz respeito à religião não compete ao monarca decidir pelo povo. Porque assim ele prejudica a sua majestade quando intervém nesses assuntos.é também o caso quando ele rebaixa seu poder defendendo contra os seus súditos o despotismo eclesiástico de alguns tiranos em seu Estado.

Vivemos em uma época esclarecida? Não. Mas numa época de esclarecimento. Muito falta ainda para que os homens estejam num ponto em que possam estar em condições de se servir, em matéria de religião, com segurança e êxito. Mas, que o campo lhes esteja aberto para mover-se livremente, e que os obstáculos que impedem ao Esclarecimento sejam cada vez menores.

Um príncipe que julga nada prescrever aos homens em matéria de religião é ele mesmo esclarecido e por ter sido o primeiro a libertar os homens da minoridade, merece ser louvado pelo mundo que lhe é contemporâneo. Sob seu reinado, honoráveis eclesiásticos, tem a permissão de apresentar livre e publicamente ao exame de todos os juízos e pontos de vista, melhor ainda, esse direito se estende a todos que não se encontram limitados por seu dever de função. Os homens procuram libertar-se de sua grosseria, por pouco que não se esforcem para mantê-los artificialmente em tal condição.

Situei o alvo principal do Esclarecimento principalmente no domínio da religião, pois em relação às ciências e as artes os soberanos não se interessam em ser tutores. A reflexão de um chefe de Estado que favorece o Esclarecimento vai mais longe e vê bem que não há perigo em autorizar seus súditos a fazer o uso público de sua razão, mesmo em matéria de legislação. Mas somente aquele que não teme as trevas pode dizer o que um Estado livre não ousa dizer: raciocinai o quanto quiserdes, e sobre o que desejardes, mas obedecei! Um grau elevado de liberdade civil parece ser vantajoso para a liberdade de espírito do povo. Um grau menos elevado daquela proporciona a este em contrapartida a possibilidade de estender-se de acordo com sua forças. Quando a natureza libertou de seu envoltório, isto é, a vocação para pensar livremente, então essa inclinação age sobre a sensibilidade do povo e, finalmente, sobre os princípios do governo que encontra o seu interesse em tratar o homem, que doravante é mais do que uma máquina, na medida de sua dignidade.

Königsberg, Prússia, 30 de setembro de 1784.

Dranem
Enviado por Dranem em 27/02/2010
Reeditado em 27/02/2010
Código do texto: T2111209