Bebês

Bebês

- *#**#!! Eu vou virar isso aí?! – exclamou o primeiro bebê.

- Ei, calma lá – disse o segundo bebê – isso aí é o meu bisavô.

- É a vida – retrucou o terceiro bebê, que nasceu com icterícia – e vai ser uma sorte se você chegar até, hã, esse ponto.

Estavam todos na ala de recém nascidos do Hospital Geral.

- Vocês não entendem nada! – exclamou o quarto bebê, que até então não parava de chorar – sabem o que nos espera?

- Todo mundo sabe o que nos espera – sussurrou o quinto bebê, situado entre o terceiro e o primeiro – desilusões, uma atrás da outra.

- Uau! Vejam essa enfermeira, que gostosa! – exclamou o sexto bebê, num berço próximo à porta de entrada. Entrada e saída.

- Com isso demos sorte – aventou o sétimo bebê, que até então não abrira o bico – já pensou se fossem enfermeiros?

Nesse ponto, todos concordaram. Foi quando o primeiro bebê tornou a se manifestar:

– #!!**!!! Meu pai me pegou no colo, ontem, cruzes, o cara parece um débil mental desajeitado!

- Bem, é só o começo – suspirou o segundo bebê – depois vêm as brigas, as cobranças, ninguém mais

se olha na cara.

- Um saco – emendou o terceiro bebê.

- Vão aproveitando – manifestou-se o oitavo bebê, muito respeitado por todos os bebês do berçário visto ter nascido de sete meses – por hora vocês ainda lembram de onde vieram e de como tudo será porém, daqui algumas semanas, vocês vão sofrer um blecaute e não conseguirão fazer outra coisa senão chorar e...hã..credo, olha a cara desse adolescente...

- Oah, calma lá, esse aí é meu tio – protestou o quarto bebê. Foi quando as luzes principais se apagaram e por alguns minutos todos se aquietaram.

Quem quebrou o silêncio foi o segundo bebê:

- Quando será que vamos sair daqui, e levar as enfermeiras para...

- Calem-se! – ordenou o oitavo bebê, cuja autoridade era relativamente indiscutível – ouço passos de humanos. Lembrem-se do que eu disse, dentro de semanas vocês esquecerão de tudo e só vão chorar. Isso é fato e é meu dever lembrá-los. Vão esquecer de onde vieram e ...

- Puta que pariu! – exclamou o primeiro bebê – de onde você veio afinal?

- Eu? Ora, vim das Plêiades, aquele lugar maravilhoso, com cavalos marinhos celestes e...ué, de onde você veio?

- Vim de Urano – asseverou o primeiro.

- De Urano? – interpelou o segundo – lembra do Miguel, o Miguelão?

Tanto o quarto bebê quanto o quinto bebê, oriundos de Urano, lembravam-se perfeitamente do Miguelão.

- Ele vendia raspadinha na porta do colégio e então as meninas... - prosseguiu o segundo, para animação dos outros, que se lembravam como se fosse ontem.

- Parem com isso – pediu o oitavo – fiquem quietos, preciso comunicar-lhes antes que seja tarde...

- Que saco – resmungou o primeiro – isso vai ser um saco...

- Nada disso – retorquiu o bebê autoridade – Vejam a beleza de tudo. Não estamos nesse berçário por acaso. Há um plano para cada um de nós, um de nós vai lidar com os mistérios e ...

- Mistérios? – resmungou o segundo bebê – mistério vai ficar se não trocarem a minha fralda...

- Em todo caso, todos vão lidar com o mistério maior – prosseguiu o oitavo, como que falando consigo mesmo - que é, na verdade, descobrir seu real tamanho nessa terra...

- Blearghhh...real tamanho – troçou o segundo, dizendo-se incomodado com sua situação.

Outros bebês aderiram ao assunto ao passo que os bebês de Urano falavam do Miguelão e as raspadinhas deliciosas de groselha na porta da escola até que, por fim, o oitavo bebê, farto daquela lenga lenga e de ver sua autoridade espezinhada, bradou altíssimo com seus pequeninos pulmões que a caminhada era longa, que todos enfrentaremos inúmeras situações onde, querendo ou não, nos veremos forçados a ver nosso real tamanho, e mais, de acordo com...

- Puta que pariu! Que saco! – exclama o primeiro bebê – ei, já acenderam as luzes...uau que gostosa!

- Oah, calma lá, essa é a minha mãe – protestou o quarto bebê.

- Jura? Achei que fosse a minha – disse o quinto.

O oitavo bebê fechou os olhos e prometeu para si mesmo nunca mais participar dessas missões para conscientizar os mais jovens.

- Pura perda de tempo – resmungou com a gengiva.

- Alguém aqui veio de Vênus? – indagou o sétimo bebê, que dormira por um longo período.

- ##!!##!! – altercou-se o primeiro – os venusianos são evoluídos, não chegam aqui como nós.

- E não somos evoluídos? – quis saber o sétimo bebê, pasmo.

- Muito... - salientou o primeiro – enrolados numa fralda cheia de...blearghhhh...muito evoluídos...

- Lembrem-se dos mistérios... – insistiu o oitavo.

- Ok, ok – fez o terceiro com a mão – e quem realmente se lembra da irmã do Miguelão, levanta a mão...

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 29/05/2010
Reeditado em 05/11/2012
Código do texto: T2287569
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