SINATRA

Sentei-me ao balcão. O melhor lugar do bar é o balcão. No canto, preferencialmente de frente para porta, onde posso ver quem entra e quem sai. O bar é de um amigo e muito bem freqüentado, apesar da placa pregada a parede, que diz: “Aqui o cliente nunca tem razão”. Talvez por isto seja bem freqüentado. Não sei. Ele só coloca para tocar as músicas que quer e gosta. E ele tem bom gosto. É estranho, mas as pessoas que não tem gosto musical parecido ao meu não são meus amigos. Naturalmente não se tornam íntimos.

Ele me olhou com o olhar de quem já sabia o que se passava, e me serviu um bourbon sem falar nada. Foi até a mesa de som e colocou That’s Life do Sinatra. Amigos sabem a hora de falar e de calar. Amigos sabem dizer sem falar. Esta noite eu só queria ficar ali, no canto daquele balcão. Quieto. Ouvindo boa música, e fazendo a garrafa descer devagar.

Uma grande amiga chegou. Quando me viu, veio apressada em minha direção, e perguntou se poderia sentar comigo. Eu a encarei, e seus olhos transbordaram.

Ela sentou e contou a merda que havia acontecido. Uma daquelas merdas grandes que acontecem e fode com a nossa cabeça durante um bom tempo.

Percebi que deveria abandonar meus planos egoístas, e cuidar dela. Ironicamente eu, machucado, fui incumbido de sacar suas feridas.

Fomos para minha casa. Fiz uma playlist que começava com Sinatra, passava por Van Morrison, Leonard Cohen, Chet Baker e encerrava com Ella Fitzgerald.

Abri minha última garrafa de uísque e sentamos no sofá. Ela encostou em mim e ficamos ali, mudos, apenas ouvindo. Ela rompeu o silêncio apenas uma vez, para tecer um comentário sobre “Crazy Love ”do Van Morrison. Ela não precisava de mais palavras.

Tomamos algumas doses. Ela deitou no meu colo. E enquanto eu acariciava seus negros cabelos, me olhou e esboçou um leve sorriso com os lábios; como quem diz: “Muito obrigado”. Eu a beijei. Não, não como um homem beija uma mulher. Não! Um beijo que se traduzia por “Aqui tens um amigo. Sempre que quiseres este colo terás”

Ela largou o copo; fechou os olhos; dormiu. Quando percebi que ela estava num sono profundo a levei para minha cama. Apaguei a luz; liguei o abajur e deitei ao seu lado. Ela acordou; tirou a roupa, foi até o meu guarda-roupas e vestiu uma velha camiseta dos Smiths. Deitou-se novamente. Trouxe-me para debaixo das cobertas e virou de lado; puxou meu braço para que eu a abraçasse; apagou o abajur e disse: “Este abajur foi o melhor presente que eu já dei a alguém”.

R Reinert
Enviado por R Reinert em 18/12/2010
Reeditado em 18/12/2010
Código do texto: T2678379
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