Jean Wyllys: quero é ser humano

Por: Jean Wyllys

04.02.2011

Com o exercício parlamentar, vai ser impossível não tratar, aqui, ainda que de vez em quando, de temas que mobilizam o Congresso Nacional. Tratar-se-á de pequena concessão à política no sentido tradicional do termo, pois de política em sentido mais amplo - diferente daquele que costumam lhe conferir a imprensa e o senso comum - eu já trato há tempos. Há nesta coluna, desde sua estreia, comentários e opiniões sobre os nossos modos de vida, pois, viver é um ato político (e, muitas vezes, a simples existência de alguém, suas ações ou intervenções públicas e fatos e produtos da indústria cultural têm mais impacto político que qualquer discurso no parlamento ou projeto de lei).

Durante a campanha e nas entrevistas concedidas após a eleição, deixei claro que contemplaria as “bandeiras” - ou atenderia às reivindicações - do movimento LGBT (ou do “movimento homossexual”, como querem alguns) dentro do compromisso maior com os direitos humanos, não só por conta de minha formação política ligada também a outros movimentos sociais - o negro, o feminista, o dos sem-terra, o dos sem-teto, o da democratização da comunicação e do combate à corrupção - mas também e sobretudo porque acredito que nenhum “político LGBT” terá êxito caso não se articule com a luta maior em defesa dos direitos humanos, das liberdades civis e do estado laico, ainda que eu concorde que é um marco histórico o fato de eu ser o primeiro homossexual assumido ligado ao movimento gay a chegar ao Congresso Nacional. Muitos gays e lésbicas não entenderam esse meu posicionamento e, estimulados por aquela homofobia internalizada que impede a maioria dos homossexuais de gostar ou apostar em pessoas da comunidade que se destacam ou têm iniciativa, começaram a me atacar. Mas eu explico minha posição quantas vezes for preciso para que as pessoas entendam que, sem a defesa ampla dos direitos humanos, a cidadania plena de LGBT não será alcançada.

Vamos lá. Os direitos humanos são aqueles que dizem respeito à dignidade da pessoa humana, aquele ser dotado de razão e consciência, como deixa claro o artigo primeiro da Declaração Universal de 1948. Quando os direitos humanos - o direito à vida e à liberdade de expressão (inclusive de expressão pública da orientação sexual ou identidade de gênero) por exemplo - são reconhecidos pelas constituições e/ou pelos tratados internacionais, tornam-se direitos fundamentais. Aos estados cabe criar os meios ou instrumentos legais de proteção dos direitos fundamentais, ou seja, de estabelecer as garantias fundamentais. E estas só existem ou se tornam praticáveis quando criadas e reguladas em leis.

É a partir dessa compreensão que podemos nos articular para desarquivar e defender o PLC 122, que criminaliza a homofobia e outras discriminações por identidade de gênero. Ele precisa ser aprovado para se tornar uma garantia fundamental dos direitos igualmente fundamentais que resguardam a dignidade da pessoa humana homossexual. E quero lembrar aos que advogam contra o PLC 122, argumentando que a homofobia não precisa nem deve ser combatida por lei, que a Constituição Federal em seu Artigo 5, Inciso II, deixa claro que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”. Homofóbicos só deixarão de humilhar publicamente ou matar cruelmente gays, lésbicas e travestis caso haja uma lei que garanta sua vida e liberdade de expressão, do contrário, seguiremos com as funestas estatísticas.

A defesa dos direitos humanos é, portanto, inseparável da defesa do estado laico de direito e, em consequência, do princípio republicano que exige a discussão dos assuntos com vistas ao bem comum e não a princípios religiosos, seja de qual religião for. Não nos esqueçamos de que o arquivamento do PLC 122 no Senado se deu sob o comando dos políticos cristãos fundamentalistas. Assim, um candidato que não esteja atento à questão maior dos direitos humanos, restrito às “bandeiras” do movimento LGBT, pouco ou nada poderá fazer por elas.

Fonte: Correio da Bahia
Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de Jesus em 05/02/2011
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