O Desafio da Loucura

Esta noite,sonhei que eu tinha finalmente tomado uma decisão importante e imprescindível:sentei-me à frente de um analista!

Passei a vida relutando preconceituosamente contra isto,mas agora não havia mais escapatórias,subterfúgios.Eu era um ponto de partida e tinha um corredor comprido à minha frente, que terminava num único ponto de chegada:eu mesma.

Entrei meio suada de frio e meio balançada de certeza.

O homem me olhava, e eu não sabia por onde começar.

O que deveria dizer?

Tinha que lembrar-me do dia de meu nascimento?Logo agora,que já se passaram quase cinqüenta anos daquele evento?

Não sabia.

Confusa e perdida,eu indaguei.

Ele sorriu tranqüilo e disse-me pra relaxar.

Pensei:como se relaxa,só porque se deve fazê-lo?

Tudo bem.Fui em frente e comecei dizendo exatamente isso:que eu não sabia por onde começar.

Quando dei por mim,eu já estava falando há mais de meia- hora sem parar e,sempre que o sujeito fazia menção de interferir com algum questionamento contextual,eu não permitia,porque desejava,precisava falar.Percebi,durante aqueles instantes,que eu tinha passado a minha vida ouvindo muito e falando muito pouco.

Pra quem, inicialmente não sabia o quê,nem como dizer,até que eu disse bastante.Eu só podia estar dormindo mesmo!...

Não lembro agora,depois que despertei daquele sonho, de tudo o que falei.Mas,desconfio vivamente,devo ter-lhe dito que finalmente eu descobri e assumo que sou doida!

Devo ter confessado a minha loucura disfarçada de tantos anos.E devo ter assumido também que eu nem sabia ,até bem pouco tempo atrás,da minha maluquice de achar que o mundo precisa da minha palavra.

Tenho sido puerilmente egocêntrica,por pensar que o mundo nasceu,quando eu nasci.Devo ter dito isso a ele.Que vergonha!E ele deve ter pensado:que coroa idiota!

Ele deve ter pensado muitas coisas que não disse,porque ,afinal, a paciente era eu e,portanto,era eu quem estava na berlinda do pensamento e da palavra.

Saí de lá muito mais vazia de palavras do que entrei.E com a alma muito ocupada de novas incertezas. Acabei despejando sobre ele uma montanha de sons,ora desconexos,ora sibilantes,ora muito altos,ora muito baixos,ora convictos,ora desmedidos...

Aquele homem ficou com os sons da doida,que eu sou.

Eu fiquei com os outros,que eu só ofereço pra quem eu gosto:os segredos sussurrados,os beijares estalados,os abraços apertados de dor e de alegria e de medo do mundo...

Ao despertar,ninguém estava ali.

Nem o homem,nem a doida.

Era uma mulher de meia-idade,quem me sorriu no espelho do banheiro.

Zully Oney Teijeiro Pontet
Enviado por Zully Oney Teijeiro Pontet em 06/11/2006
Reeditado em 06/11/2006
Código do texto: T283655