EDUCADORA - ÀS MULHERES (PRINCIPALMENTE EDUCADORAS)

EDUCADORA

Poderia ser apenas Dionísia Gonçalves Pinto, mas preferiu ser Nísia. Abreviou o nome e já deu os primeiros sinais para mostrar a que veio: prática. Também acrescentou detalhes ao sobrenome, como Floresta, talvez por lembrar de sua origem no sítio de mesmo nome. Chama-me a atenção também o sobrenome Brasileira. Dá a dimensão do seu amor pela terra natal. E não foi só o amor à terra que estava estampado em seu nome. Também quis homenagear seu companheiro, certamente o seu grande amor, acrescentando em seu pseudônimo a palavra Augusta. Assim é Nísia Floresta Brasileira Augusta: mulher, 1810, de tempos difíceis e diferentes, onde bastava ser mulher para se ter problemas.

Nasce no mesmo ano em que uma carta régia autoriza uma tipografia em Salvador, claro, sob a censura do governador e do arcebispo. E é justamente a mulher que nasce nesse contexto que vai publicar seus inúmeros conselhos e versos, legado para a história e para a memória viva de uma lutadora contra qualquer e todo tipo de dominação. No entanto, essa condição faz também de Nísia uma privilegiada por poder se manifestar contra tantas contradições da sociedade de seu tempo.

Seu tempo era um tempo distante do nosso, em sentidos vários, pois essa mulher experimentou a dureza da submissão feminina ao homem, ao se casar, ainda com treze anos. Sua separação rápida se soma ao pseudônimo menor, que mostra mais uma vez sua disposição e sua forma de encarar o mundo. Não foi mesmo, nem de longe uma mulher do seu tempo. E são essas pessoas que deixam as marcas maiores no universo cultural e nos paradigmas que norteiam a realidade e a vida de cada brasileiro, e no caso de Nísia Floresta, mais especial e especificamente das brasileiras. Uma mulher falando aos homens do seu tempo, e exigindo para a mulher o direito de estudar. Inimaginável. Desafiadora, ela não só desafiou os homens de seu tempo, mas tentou quebrar barreiras, que, a princípio, pareciam intransponíveis. A mulher na escola significava muito mais que uma presença física no estabelecimento de ensino, e sim, quase que uma declaração de liberdade e uma possibilidade de se tornar tão bem posicionada socialmente como o homem, com direitos e deveres comuns.

Nísia nasceu num Brasil complexo, num Brasil colonial, subjugado e dominado, e ao mesmo tempo um Brasil insatisfeito. Movimentos separatistas explodiam no país por todos os cantos, e também nessas circunstâncias, Nísia se torna migrante. Sai do Rio Grande do Norte para o Pernambuco e ali que começa sua vida literária e a provocar sua revolução silenciosa das letras. Tempos depois se transfere para o sul do Brasil, em Porto Alegre, onde acontece, nos idos de 1837 a guerra dos Farrapos, o que a fez migrar novamente para o Rio de Janeiro. E é na cidade maravilhosa que Nísia vai mostrar uma outra face do seu trabalho. No Rio ela inaugura o "Colégio Augusto". Aqui se torna a pedagoga e a orientadora e se mostra revolucionária no campo da educação. Neste momento já tem publicado vários artigos em jornais e o livro "Direitos das Mulheres e injustiça dos homens". Só o título é capaz de nos levar a perceber, indiscutivelmente, sua tendência a criticar o machismo reinante em seu tempo histórico, bem como alertar as mulheres sobre seus direitos e impulsionar uma mudança, logicamente, lenta, mas progressiva nas mentes das pessoas que liam seus textos.

Nísia Floresta foi também uma mulher do mundo. O Brasil não foi seu limite. Nísia ganhou outras terras. Foi morar na Europa onde continuou escrevendo seus textos, e muitos já escritos continuaram a ser publicados. Nísia falou do mundo, falou das pessoas, falou do amor, falou como mulher, como esposa, como educadora e principalmente como pessoa. Escrevia seu sentimento, sua alma e a alma da mulher que quer mudar o mundo, mas devagar, sem pressa, sabendo que as mudanças acontecem lentamente, com um passo a casa dia, em cada momento uma nova conquista. Sua atuação também revolucionária, fala da dor do ser humano defende os escravos, defende as mulheres e aconselha os jovens. É uma mulher completa. Consegue escrever sobre a vida de um escravo e ao mesmo tempo ser "guia turística" escrevendo sobre o aqueduto do Rio de Janeiro.

Como uma mulher consegue ser tão fantástica, tão maleável, tão sensível e tão crítica ao mesmo tempo? A educadora conferencista, que tanto debateu república e escravidão. Fica difícil imaginar tudo isso. É quase impossível acreditar que uma mulher tenha feito tanto. A sociedade do fim do século XIX não ouvia a mulher. Nísia pode ser mesmo considerada uma mulher sem fronteiras. A América Latina não possui registros de uma mulher ter dito tanto em seu tempo, contra a sociedade dos homens e as injustiças tão várias e de várias faces como fez Nísia Brasileira. Nossa Nísia nos enche de orgulho, pois é uma "brasileira mundial", uma mulher que soube expressar seu pensamento para todo o mundo e seu pensamento ainda hoje se reflete e se torna referência. Somente pessoas muito especiais conseguem algo do gênero, ser atemporal.

Nísia Brasileira se faz contemporânea por falar de um assunto que ainda nos dias de hoje pode causar polêmica e constrangimento em muitos setores sociais. A escravidão por ela tanto combatida e a república tão discutível em seus objetivos ainda são temas atuais. Muitos ainda insistem em querer compreender a escravidão como fruto do seu tempo. Historicamente até podemos assim entender, pois as sociedades escravistas sempre souberam se justificarem muito bem sob esse prisma. No entanto o fato de uma mulher fazer conferências sobre o assunto faz-nos, no mínimo pensar que nem tudo pode ser justificado pela ótica do tempo e da cultura da época. Pode-se contra-argumentar que Nísia era mulher além do seu tempo, mas ela estava fisicamente inserida nesta mesma sociedade machista que defendia a escravização de outros seres humanos com argumentos econômicos. No caso da república, até hoje não definimos direito os rumos que ela deve seguir. Já se foram tantas repúblicas e ainda não conseguimos ser uma sociedade mais democrática e igualitária.

Nísia é uma mulher do século XXI, sem dúvida. Estranha-me muito, mesmo, que seu nome não tenha mais expressão nas escolas e tampouco seja ela lembrada em nosso cotidiano escolar. Penso que seus escritos deviam estar todos em nossas bibliotecas e em nossos livros didáticos. Francamente, até o despertar para esse trabalho eu não a conhecia. Muito me espanta esse fato, visto que é uma mulher fenomenal. Quantas "Nísias" poderíamos ter hoje em nossas escolas e em nosso país. Este ano estamos vivendo um período eleitoral, e neste clima, fiquei imaginando como seria bom se tivéssemos mulheres (e homens também) com pensamentos tão revolucionários e tão propícios à construção de novos rumos. Retornando ao tema da mulher, tempos depois de Nísia Floresta, ainda a mulher está tão distante da vida pública e do poder. A mulher brasileira nunca chegou a presidir o país, e só agora temos uma candidata a esse cargo de maior dirigente nacional. Sinal de que ainda sua palavra é tão atual, tão presente e gritante na vida de nossa sociedade.

Que ela esteja sempre presente na memória do Brasil. Que seu nome nunca se perca e que, ao contrário, seja cada dia mais conhecido. Nísia, Brasileira, com orgulho de ser conterrâneo dessa mulher. Se pudesse agora dizer algo a ela, diante de tudo que pude descobrir dessa mulher fascinante, talvez o silêncio falasse mais forte e mais significativamente. Seriam tantas as palavras que ficaria mudo. Economizaria, por não saber o que falar. Diria tão somente, prazer em conhece-la.

LUCAS FERREIRA MG
Enviado por LUCAS FERREIRA MG em 10/05/2011
Código do texto: T2961104
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