LINDA MENINA - Série Reminiscências

Ali, entre acúmulos de entulho, onde há plantas e flores e folhas e árvores verdoengas e todo tipo de dejeto social, ali no sanitário fecal localizado sob a urbe, ali, uma menina, sentada num balanço de cordas improvisado num galho de uma árvore frondosa, limpa sutilmente seu lindo vestidinho, esfregando com as mãos o tecido, levemente, a cantar monotonamente uma linda musiquinha, assim:

"A barata diz que tem sete saias de filó

É mentira da barata, ela tem é uma só

Ah ra rá, Oh ro ró, ela tem é uma só!

Ah ra rá, Oh ro ró, ela tem é uma só!

A barata diz que tem um sapato de veludo

É mentira da barata, o é dela é que é peludo

Ah ra rá, Oh ro ró, o pé dela é peludo!

Ah ra rá, Oh ro ró, o pé dela é peludo!

A barata diz que tem um anel de formatura

É mentira da barata, ela tem é casca dura

Ah ra rá, Oh ro ró, ela tem é casca dura!

Ah ra rá, Oh ro ró, ela tem é casca dura!

A barata diz que tem uma coroa de rainha

É mentira da barata, ela só tem anteninhas

Ah ra rá, Oh ro ró, ela só tem anteninhas!

Ah ra rá, Oh ro ró, ela só tem anteninhas!"

Que menina bonitinha, com sua voz suave e deliciosa! Pena que esteja tão sujo seu vestidinho. Pobre menininha, lembra-se do que disse sua mãe quando você saiu de casa pela madrugada?

-Mamãe me disse: Não vá sujar seu vestidinho, cucarachazita!

E veja só. Não prestou atenção`aos avisos de sua mamãezinha?

-Eu bem que tentei não sujar meu vestidinho, mas... Ah, mas isso não importa. Ninguém vai perceber: é apenas uma manchinha de nada.

O que dirá sua mamãezinha, quando vir sua queridinha suja assim? Ela não vai gostar nada, nada.

A menina desistiu de limpar seu vestidinho, e agora decide-se a balouçar-se, esquecendo a sua mancha no vestido. Como "ninguém irá perceber que está sujo", ela poupou-se o trabalho de apagá-la.

-Se alguém vier perguntar, não vou responder. Não tenho de dar explicações a ninguém, pois a ninguém importa o sucesso que me ocorreu.

Lá está a menininha, a brincar distraída, sem cuidar da mancha no seu vestido. Vai e volta como quem não tem deveres a cumprir. E vejam só! Também seu rosto está todinho sujo, e ela nem se importa... Linda menina, suja e mal arrumada; está sozinha, porque a todos os seus amiguinhos enxotou. Ela diz que a todos vilipendia, que não se preocupa se eles não gostam dela porque ela está suja e mal arrumada. Justo ela, que é tão solícita com sua aparência... E vejam só! Porque desde miúda sua mãe ensinou-lhe bons modos, ensinou-lhe a comportar-se bem, a tratar bem os outros, com hospitalidade e generosidade. Sua mãe também a ensinou a demonstrar seus dotes. Quando ela aprendeu a ler, que contente ficou a senhora, e dizia a ela: Anda, menina! Leia isto, para que estes senhores vejam como você é esperta! E ela lia com gosto. E então sua mamãe dizia para as pessoas: Eu cuido muito bem dela. Observem como ela está bonita, com este vestido lindo que comprei, com este sapatinho e esta fita no cabelo. Não é a coisa mais linda? Pois é! É a menina mais linda que existe, não é, menina linda?

(Texto baseado em processo do grupo Teatro de Fragmentos/ Projeto Fragmentos Plinianos)