VAGA DISSERTAÇÃO ACERCA DA ALMA MINEIRA

Mineiro é gente diferente, isso é indiscutível. Em qualquer lugar do Brasil, quando um mineiro abre a boca em um mercado e compra “uns trens”, todo mundo já sabe de onde veio aquela alma singela.

Gosta de contar “causos”, tocar viola, fumar a noite com uma caneca de café na mão e fazer poesia. Todo mineiro tem uma história de assombração para contar, que ele jura que é verdade.

Entrar na casa de um mineiro dá uma sensação gostosa, diferente. O primeiro lugar onde ele te leva é a cozinha, que é o melhor lugar da casa para esse povo. Mineiro gosta muito de uma cozinha. Ali ele te conta os causos dele, bebe seu café (você não sai da casa de um mineiro sem tomar um “cadinho” de café), ou fica a toa divagando nos contos do fogo que trepida no fogão a lenha. Se você olhar bem acima do fogão, tem um varal cheio de lingüiças que vão se defumando ao sabor do tempo. Depois, um dia ele as corta, as frita e as come, com um chorinho de cachaça.

Na janela da cozinha, tem uma cortina simples de renda que a enfeita, e borda o quintal dos fundos, onde as roupas dançam nos varais em dias de sol. Roupas coloridas, da lida, ou então de ir a missa. Mineiro é muito religioso. Quando o mineiro é ateu, ele diz no final da frase, graças a deus, credito em nada não moço.

Casa de mineiro tem paredes brancas, onde os retratos são pendurados, e a qualquer hora que você chega sente cheiro de comida, temperada com alho. Jarrinhas de flores são espalhadas pela casa, em mesinhas antigas, com toalhinhas de crochê, feitas pelas avós.

Quando o terreiro é de barro batido, tem sempre uma vassoura de mato encostada num galpão, para que, qualquer um possa tirar um cisquinho que chegou no vento.

Mineiro tem cheiro bom, cheiro de água de bica e de passarinho solto, cheiro de goiaba e de manga, cheiro de terra, de campo e poesia. Mineiro tem cheiro de fogo e de broa de fubá. E tem o olhar manso de alguém que sempre desconfia de alguma coisa. Mineiro é o bicho mais desconfiado. Desconfia até que o homem foi a lua, e prefere confiar nos remédios do mato. Ele sempre tem uma receita de chá para qualquer dor. E funciona.

Já foi a uma festa mineira?

É pura alegria, mesmo quando as “modas de viola”, exprimem o lamento do homem do campo. É perto de uma fogueira onde assa batatas doces, que o mineiro pisca os olhos, esfrega, e chama uma moça para dançar. E quase sempre, é a moça que ele viu, mexendo o tacho de doce, suando, com o vestido amarrado nas pernas, e lambendo os dedos que se enfiaram na beirada do tacho.

É a mesma morena que lhe tira o sono, quando ele se enrola na colcha de retalhos, antiga deixada pela bisavó. Verdade. Mineiro ama essas coisas, um travesseiro, uma caneca, uma qualquer coisa deixado por alguém que às vezes ele nem conheceu, mas sabe que existiu.

Mineiro é tão peculiar em suas vivências que tem seu próprio dialeto (defendido assim pelos lingüistas) ou sotaque mesmo, de acordo com o gosto do freguês. Fala-se que a língua do mineiro lhe confere um charme reconhecido até no “estrangeiro” (para mineiro, qualquer país do mundo é referido como estrangeiro). Por que um mineiro reconhece o outro em qualquer parte do mundo. Pode ser até em uma estação de trem da velha Europa. Parece que anda de “orelhas em pé”, para encontrar um conterrâneo.

Dizem que mineiro é bairrista. E é. E tem motivos para sê-lo. Por que mineiro respira Minas Gerais, ama o mundo inteiro, mas tem certa nostalgia da sua “terrinha”.

E nunca se engane com o jeito manso de falar de um mineiro ou de uma mineira... A fala é mansa, mas o coração é quente. Mineiro dá um boi para não entrar em uma briga e dá uma boiada para não sair dela. Não abuse do mineiro. Não tente lhe vender o Pão de Açúcar, nem a praia de Copacabana, que você acaba comprando o Mineirão.

Poderíamos falar sobre os mineiros e as mineiras, durante uma noite toda, entremeando as falas com café e pão de queijo. De sobremesa, uma goiabada, com queijo. Uma fatia de goiabada rodeada por duas de queijo, que também chamamos de “mineiro de botas”.

Falar dos mineiros, das mineiras, de Minas Gerais enfim, é algo incompleto, por que você só descobrirá todas essas manhas mineiras ao se apaixonar pelas minas. Pelas minas de onde escorrem rios quentes, cheios de histórias... Ao se apaixonar, pelas montanhas, que amanhecem e dormem em silêncio velando os vales. Apaixonando-se por essas minas e “suas gentes”, você os reconhecerá, em um balcão de padaria, se um dia estiver ali, para comprar pão e ouvir, atrás de si, um “moço, bom dia, um café com leite e um pão com manteiga, depressa, ou então vou perder o trem”.

Se encantará ao ouvir essa fala mansa e melodiosa, borbulhando lembranças em seu dia. O pão será esquecido por alguns instantes, e você ficará ali, esperando a próxima frase com esse sotaque gostoso.

E enquanto o mineiro bebe com tranqüilidade seu café com leite, e degusta com prazer inenarrável, seu pão com manteiga, você irá se perguntar: mas por que disse que estava com pressa se está com essa calma toda?

É que mineiro é assim mesmo. Tem pressa para tudo, menos na hora de falar, de amar, de cantar, de chorar junto com a viola, ou de se deliciar com iguarias fantasticamente simples, como um pão com manteiga.

Mineiro que é mineiro anda com um canivete amarrado na cintura, “pro causo di necessidade”. Ele sempre acredita que encontrará uma onça no meio do caminho. Como mineiro acredita em onças no meio do caminho... Mineiro acredita em onças ainda...

E acaba que encontra mesmo uma onça. Uma onça de cabelos longos, ou curtos, pretos, ou marrons, ou louros, que torneiam bem um rosto fino e tranqüilo, olhos vivos, boca vermelha, e um vestido estampado, com cheiro de florzinhas colhidas... A onça nem chega a miar, e o mineiro já se encanta. O canivete pendurado na cintura, continua ali, “pro causo” dele encontrar um dia, uma onça de verdade

Rita Marangon
Enviado por Rita Marangon em 06/08/2011
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