UM CARROCEIRO. O RELACIONAMENTO DO DIFERENTE NA VIA URBANA

O objetivo dessa etnografia e dar continuidade ao relato do meu percurso ate a universidade, colocando no papel uma visão mais ampliada que passei a ter após participar das aulas de antropologia na Pontifícia Universidade Católica tendo como professor o José Márcio Barros. Existe uma máxima nos grupos escoteiros dos quais participei como chefe que a melhor forma de memorizar um ensinamento teórico e coloca-lo em pratica é ir a campo para realiza-lo. Desta maneira os jovens aprendem a fazer fogueiras, pontes realizar primeiros socorros se necessário, e tudo que faz parte do mundo escoteiro de acordo com os padrões estabelecidos por Baden Powel principalmente os mais diversos nós, sempre realizando as atividades em sítios ou bosques para conhecer as plantas, as folhas, os animais, os insetos e aprender ate mesmo a respeita-los individualmente e o prof. José Márcio nos colocou em campo para na pratica realizarmos toda a teoria que nos foi por ele ensinada em classe.

Continuando a observar muito mais que antes descobri que estava deixando passar sem registrar uma diversidade que parece estar sendo extinta, e se não fixarmos bem o nosso olhar não os percebemos embora o espaço que ocupam não seja pequeno, e assim como todas as coisas em nosso Pais regidos por um decreto lei cujo objetivo e salvaguardar o seu instrumento de trabalho que é o cavalo. Estou me referindo a atividade dos carroceiros. Ampliando minha visão descobri que existem muitos deles espalhados por todos os bairros e que as carroças e os cavalos ainda são vistos desfilando não só no Centro mas também na periferia da cidade. Descobri também que entre os meus vizinhos existe um bom numero desses laboriosos trabalhadores e aproximando-me mais de um deles comecei a descobrir muito desse grandioso mundo dos condutores de veículos de tração animal. Primeiro comecei a conversar com ele em sua residência, depois a medida que foi me relatando coisas que eram novidade para mim fui encontrando com ele em outros locais e sempre ao retornar da aula na universidade. Fui no local onde ele permanece com sua mula aguardando os clientes e vi que tem trabalhos diversos na cidade tais como transportar entulhos, fazer pequenas mudanças que tem como referencial moveis como estofados, fogões, mudança de rapazes solteiros e de lanchonetes entre muitas outras atividades. Fui na Casa da Cultura onde existem algumas fotos antigas da cidade ainda com suas ruas sem calçamento ainda encascalhadas, visitei também o museu para ver outras fotos para localizar pontos específicos que fui conhecendo ao ouvi-lo. Portanto com esta etnografia pretendo atender a proposta feita pelo professor de escolher em meu percurso uma diversidade e aqui inicio o meu relato desejando que fique bem denso e de forma clara e descritiva da minha pesquisa.

DESCRIÇÃO DO PERCURSO

Continuando no sentido centro e tal como a linha do Equador o viaduto Jacintão divide a Av. Bandeirantes com a Av. Amazonas que fixa o centro nevrálgico do comercio Betinense. Em oito densos quarteirões a Av. se impõe em mão única e numa só pista onde dois hotéis se destacam e um amplo e diverso comércio com o vai e vem de uma grande movimentação do publico consumista buscando satisfazer seus anseios mas cada um conforme a quantidade de dinheiro que tem no bolso ou o até quando pode financiar seu objeto de desejo. As grandes redes comerciais com Ponto Frio, Casas Bahia, Ricardo Eletro, Lojas Americanas, Drogaria Araújo e Lojas Luiza estão presentes nesse setor e as redes bancarias também e não posso deixar de citar a famosa banca do Bené, o jornaleiro mais antigo da cidade e mais conhecido. Dois pontos de onibus marcam o estar no centro de Betim e o segundo conhecido como o ponto da La Torre em referencia à padaria La Torre tradicional na cidade o mais central e quase todos os passageiros ali descem. Exatamente nesse trecho de mão única aconteceu o fato que despertou meu interesse nesse tema para minha etnografia. Como a rua trafega em mão única, e o deslocamento de veículos muito intenso, um grande congestionamento geralmente acontece em horários de pico e num desses momentos percebi um veiculo mais lento e com uma boa carga de papeis e reciclados contribuía mais ainda para essa retenção do trafego. Um condutor de veiculo de tração animal – assim consta sua denominação no Código de Transito – circulava forçando a marcha do cavalo e com seu longo chicote dava chicotadas nas pernas do pobre animal que certamente ali estava a caminhar no máximo de suas possibilidades e sem nenhuma culpa por aquela situação caótica, mas com uma velocidade baixa em comparação com os veículos. Entristeci-me porque até este momento já falei tantas coisas de minha cidade mas meu olhar ainda não tinha sequer percebido a presença dessa diversidade entre nós residentes e tambem trabalhadores em sua maioria e o pior perceber então na imediação da minha residência a presença de alguns desses heróicos transportadores seus veículos e seus animais.

Comecei a me aproximar do meu objeto sem muita dificuldade pois de vista já fazíamos aquela saudação tradicional do mineiros do tipo “ oi sô”, “bão né” ou então “dia” e sabia que seu nome é Rafael.

Retornando do universidade estava o Rafael cuidando de suas criações e dei uma parada por ali iniciando nosso dialogo. Disse a ele que estava estudando e ele elogiou-me pelo fato de já estar com os cabelos brancos “ ta na hora é de aposentar estudar e coisa de menino” e seguimos nossa boa prosa. Disse que queria conhecer um pouco da historia dos “carroceiros” de agora em diante usarei esta expressão que se tornou parte do alfabeto e claro melhor que falar condutor de veiculo de tração animal já que “todo mundo” fala carroceiro. E assim começamos nossa historia.

O Rafael nasceu um pouco antes de mim em 24 de outubro e 1949 lá em Ponte Nova-Mg. Estudou pouco mas em muitos lugares diferentes começou la na terrinha natal , estudou um pouco em Juatuba-Mg e tambem aqui em Betim mas não passou do primário. Seu pai o seu Zé Marcilio ficou muito doente por causa do trabalho pesado na roça e quando cresceu um bocado estava la com seus dez onze anos a tia vinha aqui para a cidade na casa do irmão que era ferroviário e morava no Carlos Prates na beira da linha num daqueles vagões que a Rede Ferroviária dava para seus empregados. Tinha umas criações um potro bom de sela, uma leitoa com três leitõezinhos bem criada na base da abóbora de porco e farelo. O potro tinha um vizinho que era doido para adquirir e quando ele falou que vendia por trezentos cruzeiros nem pensou duas vezes. Vamos la em casa que te dou o dinheiro – naquele tempo o dinheiro ficava em casa mesmo, não tinha nada de banco – ele montou num cavalo velho do pai e foi lá receber seu dinherinho até com dó pois gostava do potro mas precisava de dinheiro. Vendeu a leitoa tambem por duzentos e cinquenta cruzeiros, deu cem cruzeiros para o pai que nunca tinha visto tanto dinheiro, foi na venda lá na campanha comprar roupa.

Comprou um alpargatas roda daquelas azul com o solado de corda de bacalhau, uma calça de brim coringa amarela e uma camisa verde pediu a benção pro pai e veio com a tia para Belo Horizonte. Aqui começou andar por ali, vinha beirando o rio Arrudas até na Contorno, andava mais um pouquinho e vinha ate no mercado e ficava por ali observando as coisas depois voltava para casa do tio Bento que era viuvo e tinha casado de novo. Tinha três filhos do primeiro casamento e mais sete do segundo e “levava a vida como Deus queria”. Quando a tia, uns vinte dias depois resolveu voltar para Ponte Nova pois já tinha feito seu tratamento na Santa Casa o “neném” que era seu apelido não quis voltar embora o tio preocupado com o irmão doente la na roça, quisesse que ele fosse pra cuidar do pai, mas ele com um bom dinherinho ainda na capanguinha enfiada perto da virilha não quis ir pois ia trabalhar, ganhar dinheiro pra quem sabe trazer o pai pra cidade, aqui era mais fácil porque tinha os médicos perto.

Assim um vizinho que carregava verdura no mercado com seu carrinho abrindo aqui um parênteses para um tal de seu Valter que fabricava os carrinhos numerava e alugava e vemos ai o capitalista atuando e já explorando os menos favorecidos. Esse vizinho se dirigiu a ele dizendo: ô menino, que você esta fazendo?

Nada, ele disse. ´

Quer me ajudar a empurrar o carrinho, depois te dou uns trocados.

Vou sim.

Foi lá tirou a “precata” avisou pro tio e veio descalço mesmo ajudar o moço. E assim começou a ganhar o seu dinherinho. Levantava cedo ia pro mercado e empurrava carrinho até la na Feira dos Produtores que era em frente a rodoviária.

Seu dinherinho sempre enfiado na virilha, o tio sempre falando pra ele ir embora pra cuidar do pai, “eu acho que é porque ele já tinha muitos filhos e eu era uma boca a mais” mas eu insistia em ficar por aqui mesmo.

Percebi que já estava bem grande e mais forte e dava conta de puxar o carinho agora Já estava com meus quinze pra dezesseis anos parei de empurrar carrinho aluguei um e comecei a transportar verdura e legumes tambem e pagava outro para ajudar a empurrar. Colocava dinheiro num envelope de carta com umas palavrinhas dizendo que estava tudo bem comigo, que ele não precisava preocupar e assim sempre mandava um bom dinherinho pra ele la na roça. De vez em quando estava cansado demais para ir pra casa, encostava o carrinho debaixo de uma marquise ali na praça da estação e por la dormia dentro do carrinho com dinheiro na virilha e nunca aconteceu nada de ruim comigo.

Um dia fui no armazém do Grilo fiz uma boa compra, comprei muita carne chamei um taxi e levei ate na casa do meu tio. Eu nunca tinha dado nada pra ele que nem queria aceitar dizendo que eu devia levar aquilo era pro meu pai mas acabou bem gostando. Eu fiquei por ali mais uns tempos e comecei a trabalhar de dia no mercado e de noite de ajudante de padeiro. Daí fui aprendendo a profissão, me tornei um bom confeiteiro, conheci minha “patroa” e quando eu fiz “dezenove anos nos casemos”, comprei uma casinha la perto da Vista Alegre que naquele tempo ainda tinha o eucaliptal do Luciano. Trouxe meu pai pra cidade e a patroa novinha ainda ajudou a cuidar do meu pai e da minha mãe por uns cinco anos ate que eles morreram primeiro ele depois ela. Enquanto isso eu comecei a trabalhar num sitio em Igarapé e ficava a semana la trabalhando e no fim de semana os donos do sitio que morava na cidade ia pra lá e eu vinha pra casa. Só tinha três viagens da única jardineira que tinha uma de manha outra meio dia e outra a tarde e a gente andava mais a pé que de condução mas fazia tudo que precisava. Pra ir em Belo Horizonte era fácil porque tinha o subúrbio, tinha onibus, mas aqui mais pros lados de Igarapé era mais difícil. Vendi meu terreninho lá e comprei um aqui no Bairro Cachoeira, comprei um cavalo, fui montando minha primeira carroça de peça em peça eu ia olhando outras carroças e copiava ate montar minha primeira carroça. Mas continuei trabalhando de confeiteiro de noite e de dia fazia uns carretinhos com meu animal carregando material de construção. Comecei trabalhar na Construtora Mascarenhas Barbosa tambem mas fiquei por la um ano só por ai, não me lembro bem, porque machuquei e fui pro seguro onde fiquei mais de mês, quando voltei me mandaram embora. Ai vendi a casinha la no Cacheira e comprei essa aqui que tem uns vinte anos que moro e criei meus sete filhos.

É interessante abrir aqui um parêntesis pois não sei se digo que esta sua residência atual é um rancho na beira do rio que passa nos fundos de sua residência que esta protegida por um arrimo de cimento muito denso já que neste local existia uma metalúrgica nos anos cinquenta e o rio Betim ate hoje fornece água para resfriamento de material na metalsider, metalúrgica vizinha a nossas residências. Assim sua casa ficou protegida dos tradicionais assoreamentos que colocam muitas residências em risco em nossos Municípios. Tem uma bela cachoeira antes usada por turistas e moradores da cidade que perdeu toda sua beleza por causa do progresso que trouxe os moradores e o esgoto. Ou se ele tem uma casa no meio da estrada, porque sua casa esta literalmente no meio da rua onde esta prevista a abertura de uma grande avenida de duas pistas que ira ocupar espaço ate no terreno em que moro fazendo a continuidade da ligação entre a Via Expressa e a Rodovia 262. Onde esta construída a sua casa a Rua rio Doce é afunilada passando apenas um carro em qualquer sentido e mesmo assim o transito em nossa região é bem pesado com caminhões de grande porte que aqui transitam transportando areia, argila, tijolos e caminhões que transportam minério de ferro para a metalúrgica que usam esta passagem como atalho para a citada rodovia.

De repente aparece a esposa do Rafael e pergunta se ele não iria almoçar. Na verdade tanto eu quanto ele e naquele momento já eram 16:00h ate esquecemos que não tínhamos almoçado tão envolvidos ficamos naqueles primeiros instantes de recordações agradáveis e curiosas.

Em outra oportunidade nos encontramos no Ceabe onde os carroceiros fazem ponto atualmente e la fiquei ate as 1700h.

Hoje ele tem uma mula que tem 17 anos de vida e esta a 14 anos com ele. Já teve um berne na perna que durou uns seis meses para cicatrizar e mesmo assim ela ainda trabalhava na carroça, mesmo mancando e com uma ferida aberta que ele como um enfermeiro veterinário ajudou a cuidar e a cicatrização foi perfeita. Para conhecer melhor os animais que trabalham com carroça recebi algumas informações do meu objeto mas decidi fazer uma consulta na Internet e através do site saúde animal aprendi o seguinte.

“Como é possível produzir um animal grande e forte como um cavalo e, ao mesmo tempo, resistente, trabalhador e dócil como um asno? A resposta é cruzar o jumento com a égua para obter um híbrido (animal que se origina do cruzamento de espécies diferentes). Os produtos dessa hibridação são conhecidos vulgarmente pelos nomes de burro, mulo e mula. A prole, que herda o tamanho e a constituição da mãe, é mais parecida com o cavalo do que com o asno. Cruzando uma jumenta com um cavalo obtém-se o bardoto. Este é mais difícil de criar e tem a desvantagem de ser menor e de herdar o temperamento birrento da mãe.

Além da força, a mula tem uma capacidade de equilíbrio admirável, que lhe possibilita andar pelos caminhos mais íngremes. Ela freqüentemente aparece como heroína nos filmes de carga na Europa e nas Américas, principalmente nos campos de cana e algodão e nas minas.

O burro não consegue produzir espermatozóides por isso é estéril. A mula também é estéril porque não pode produzir óvulos. Outra explicação é que tanto o macho quanto a fêmea não têm os órgãos genitais bem desenvolvidos, o que dificulta o acasalamento. (Lúcia Salvetti De Cicco)

FILO: Chordata

CLASSE: Mammalia

ORDEM: Perissodactyla

FAMÍLIA: Equidae

CARACTERÍSTICAS:

Comprimento: cerca de 2,70m

Altura: 1, 70m

Peso: até 400 kg

Tempo de vida: 40 anos

(saudeanimal.com.br/burro.htm)

Em trinta anos de profissão este não é seu único animal. Um outro cavalo lhe foi roubado. Um amigo que ele nem esperava que tivesse com ele tanta confiança lhe vendeu um cavalo porque viu sua dificuldade sem o animal para trabalhar. Foi pagando aos poucos tirando do trabalho e do suor ate o ultimo centavo. Algum tempo depois lhe roubaram a carroça e teve que construir outra que fica muito mais barato que comprar. Hoje ele deixa a carroça trancada com cadeado e corrente para evitar o roubo.

Enquanto ouço seu depoimento vejo que tem muitos amigos e ou conhecidos. Todos que passam o cumprimentam e ate um deles marcou um dia da semana para ele ir ver um serviço de desaterro para fazer um orçamento já que o entulho será retirado por ele.

O ponto dos carroceiros era na Rua Para de Minas com Governador Valadares e este local onde se encontra o Ceabe hoje era um brejo com muitas minas d’agua e do outro lado do rio onde é hoje a Igreja de São Francisco foi o Matadouro Municipal que ocupava um lado e outro do rio e vinha até a Estação Ferroviária onde sempre existiu a Cooperativa Agropecuária que possui uma loja de suprimentos em geral.

No dia 3 de março de 1980 quando o então Prefeito Osvaldo Franco construiu e inaugurou o Ceabe – Centro de Abastecimento de Betim e os comerciantes saíram do velho mercado que era onde hoje se ergue uma farmácia e a agencia da Receita Federal na Alameda Maria Turibia e tambem o ponto dos carroceiros que a administração construiu uma coberta na beira do rio e ali ficavam todos os dias a espera de seus clientes. Mais tarde na administração da Maria do Carmo eles ganharam um telefone que foi afixado numa parede lateral do Ceabe e pude fotografá-la já que embora sem o aparelho telefônico e já desativado, nada preservada ainda se encontra fixada na parede do Ceabe e com os seguintes dizeres:

PONTO DOS CARROCEIROS

Fretes diversos em carroças com preços populares. Material de construção, pequenas mudanças e outros. Tel 531-3744

As recordações retornam e o Rafael começa a me dizer os nomes dos carroceiros que faziam parte desse primeiro grupo que fazia o ponto do Ceabe. Domingão, Dominguinho, Zé Padre, Zé Raimundo que faleceu recentemente, Joaquim, Dé e Miguel Baiano. O que afasta os carroceiros do trabalho geralmente é o AVC já que o trabalho de prevenção no serviço publico de saúde é muito recente e estes homens bebiam, comiam fora de hora, comiam torresmo e ate restos de alimentos sem nenhum cuidado de higiene e principalmente sem buscar um posto medico para cuidar quando sentia algum mal, preferindo tomar os chás e medidas culturais e tradicionais antigas. A cidade foi construída com as carroças. A olaria ficava onde hoje é o Shopping Betim e assim os carroceiros levavam tijolos e telhas ate os imóveis onde um caminhão não passava ou em tempo de chuva e a cidade ainda não tinha ruas asfaltadas ou mesmo calçadas. Em sua carroça tinha uma placa com os seguintes dizeres “sou carroceiro e respeito a lei. Porque você não me respeita?”.

Uma coisa que aconteceu sempre no período eleitoral é a procura dos candidatos para que o carroceiro veicule a propaganda deles já que estão bem próximos do eleitor. Na ultima eleição aconteceu uma “carroceata” onde uns oitenta carroceiros ganharam um dinherinho para participar veiculando um candidato a prefeito na cidade mas após serem eleitos não ajudam em nada aos carroceiros e muito antes pelo contrario ficam criando leis para prejudicar a classe.

O Rafael faz questão de afirmar sempre que com sua carroça já criou sete filhos que hoje lhe deram 25 netos. Fala com tristeza de dois filhos que morreram um com um ano e oito meses e era portador da sindrome de Down e uma filha que foi assassinada com dezessete anos.

Com a realização da canalização do rio e extensão da Av. Bias Fortes foram os carroceiros mais uma vez desabrigados e a prefeitura decidiu usar uma parte do terreno onde se localiza a Arca – Associação de Reintegração da Criança e do Adolescente que tem como objetivo principal entre outros diversas oficinas lúdico-culturais (Arte, Construção de Brinquedos, Esporte, Hip Hop, Kung Fu, Capoeira, Violão, Oficina do Saber , Teatro e Circo) com o objetivo de contribuir com o desenvolvimento de crianças e adolescentes, de 7 a 18 anos, nos âmbitos físico, intelectual e emocional. Utilizando um pequeno espaço de frente para a nova avenida foi erguida uma coberta oferecendo um bom conforto aos carroceiros, entretanto moradores de rua e usuários de droga começaram a utilizar o espaço a noite ali faziam suas necessidades tornando as vezes impossível utilizar o espaço e assim alem de estarem distantes de seus clientes decidiram devolver e deixar de utilizar aquele local - hoje cercado – passando a utilizar o ponto atual nos fundos do Ceabe onde era o antigo ponto embora a proteção do sol seja apenas através das arvores la existentes.

Estes trabalhadores são bem organizados e possuem o seu sindicato onde existe um espaço e caçambas para levaram para la os entulhos mas segundo ele é muito fora de mão o deslocamento ate la porem é o local autorizado para transportarem o material reciclavel ou não.

Hoje as caçambas tem tirado parte do ganha pão dos carroceiros pois pelo valor de R$ 80,00 deixam a caçamba três dias no imóvel para retirada do entulho, entretanto quando a quantidade é menor o carroceiro é solicitado.

Ele tem um cartão que coloca na caixa de correio ou entrega ao pedreiro em alguma obra oferecendo o seu serviço cujo material ele trás para uma pedreira desativada que tem na região de nossa residência.

Um detalhe interessante é que o nosso objeto utiliza a carroça tambem em seu momento social quando sai para passear, visitar familiares em municípios não muito distantes mas não gosta muito de faze-lo porque estaria tirando tempo do descanso do seu animal. Existe tambem a preocupação com o capim que é utilizado para a alimentação da mula conhecido como capim anapinhe nome comum da graminea cuja pesquisa feita na Internet traz o seguinte resultado.

Capim agulha (Brachiaria humidícola) - Das brachiarias, talvez a mais consumida pelos eqüinos é o capim agulha, pois este possui maior palatibilidade para os eqüinos, Tem hábito de crescimento prostrado; é uma planta rizomatosa, que cobre totalmente o solo quando adulta, protegendo-o da erosão com bastante sucesso. E resistente ao pisoteio e aparentemente pouco atacada pelas "cigarrinhas das pastagens". O desenvolvimento da B. Humidícola, inicialmente lento, em aproximadamente um ano, dará cobertura total ao terreno.

Aqui o Rafael esta ao lado da caixa onde foi colocado o telefone para utilização dos carroceiros que utilizavam este ponto do Ceabe realizado na administração da Prefeita Maria do Carmo Lara Perpetuo.

Sente saudades deste tempo já que a administração municipal se importava com esta classe trabalhadora e pela primeira vez o chefe do executivo como agradecimento pelo apoio deles no período pré eleitoral lhes deu o retorno através de um telefone publico e muitos deles ainda são gratos à prefeita por este pequeno ato. Também afirma que a utilização das carroças era bem maior e dificilmente ia para casa apesar de muito cansado sem um bom dinherinho no bolso e assim o leite, o pão, uma boa verdurinha e um pedacinho de carne mesmo que fosse lingüiça fazia a alegria das crianças em casa.

Nesse comportamento diferente vou encontrar o Rafael numa roda de viola que acontece as Quinta feiras na casa de cultura de Betim e comprova que realmente os diferentes são diversos e que a diversidade cultural transforma o mais rude dos seres humanos em um doce tocador de instrumento e esta parte eu ainda não tinha ouvido. O Rafael tem uma sanfona e gosta de tocar seu instrumento em forros não muito longe de forma que possa voltar para casa na madrugada. Gosta muito de tocar para a terceira idade e diz que nem faz questão de ganhar algum dinheiro mas toca pelo prazer de ver os idosos dançarem e se divertirem pra valer. Desde jovem sempre tocou um instrumento mas faz isto com tanto prazer que nem se lembra as vezes que tocar a sua sanfoninha nos forros por ai tambem fazem parte de sua existência e contribuem para sua alegria e felicidade. E tanto quanto é conhecido como o carroceiro é tambem conhecido e requisitado para shows como sanfoneiro.

É interessante registrar que numa roda de viola o espaço para a sanfona é pequeno pois os ponteados são feitos apenas com as cordas, mas o Lázaro Mariano que é responsável e realizador de grandes encontros de viola na região de Betim por intermedio da Funarbe – Fundação de Arte de Betim descobriu o Rafael com o seu talento musical e o convidou para participar das atividades populares na Casa da Cultura Josefhina Bento e agora em todos os encontros ele tem o seu lugar reservado onde vemos a sabedoria em agregar numa cultura pré concebida o diferente quebrando os paradigmas.

EXPERIENCIA

Fiquei bastante empolgado nesta primeira experiência envolvendo o outro para a realização da etnografia da forma em que li e aprendi em classe. A grande preocupação foi realmente exercitar o meu olhar sobre a diversidade cultural e encontrar algo que fosse realmente diferente. Ao abordar o Rafael pude ir compreendendo aos poucos a complexidade do comportamento humano e como ele coloca a sua função no desenrolar dos acontecimentos. A medida que fui recebendo as informações comecei a ver algo muito maior do que inicialmente eu previ mas que também não é esse trabalho que eu me propus a fazer pois por ser muito maior envolve outros objetos que se estende até alguma secretaria no executivo que seja responsável por esta atividade no Município. Envolve também o como começou, onde começou, porque começou, qual a influencia da ação na sociedade naquele momento, qual a conseqüência da ação hoje na modernidade já que os veículos atuais não se comparam aos do inicio na fundação do Arraial de Capela Nova onde tudo era feito no lombo do burro, os caminhões eram os Ford Bigode, Os Chevrolet Brasil os FNM que tinham uma mobilidade menor que as grandes carretas com cambio eletrônico atuais e não impediam o transito dos carroceiros. Fica a obrigação de continuar ate pela ansiedade e alegria do Rafael por saber que alguém se preocupou com ele e isto me deixa como pesquisador responsavel e preocupado ou seja impregnar-me com a realidade do objeto, o que causa essa busca do outro com intensidade. Desejo que o resultado dessa etnografia seja o principio de muitas outras descobertas de valores e que eu possa ser intermediário em muitas outras alegrias.

BIBLIOGRAFIA

criareplantar.com.br/pecuaria/lerTexto.php?categoria=18&id=53 em 29 maio 2011

saudeanimal.com.br/burro.htm

ederbrasil
Enviado por ederbrasil em 24/08/2011
Reeditado em 29/11/2013
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