Um Pobre Garotinho

Certo dia, ouvi um professor meu da faculdade dizer que as pessoas dos dias de hoje só sabiam falar de bullying quando haviam coisas muito mais preciosas precisando de destaque e serem discutidas. Bem, é certo que a Literatura Afro-brasileira precisa, sim, de mais espaço (aliás, por que dividir a Literatura em literatura de brancos e negros? Literatura é Literatura independente da cor de quem a produz; se não houve reconhecimento, é porque talvez não merecesse), mas o bullying está presente, sim, atualmente e só quem já sofreu com isso sabe como é preciso que se fale mais e mais para que esse imenso e grotesco problema seja, pelo menos, diminuído.

Um garotinho que está aprendendo a ler e escrever e formando seu psicológico para a vida futura, por exemplo, com toda sua inocência, é alvo de piadas por ser um pouco gordinho. Se isso não ilustra bem, deixe-me demonstrar mais claramente: imagine-se com sete, oito, nove e dez anos ouvindo esse tipo de “musiquinha infantil”: “Gordo, baleia, saco de areia/Comeu banana podre/Morreu de diarreia”. Mas sem parar, toda hora, nos intervalo, na frente dos amigos e todos rindo, rindo, rindo... e apontando... O pobre garotinho, com toda sua humilhação, se esconde, se fecha e chora, chora, chora... Porque não consegue reagir, não foi ensinado a como lidar com isso, não entende nem sequer pelo que passa... Ele não sabe nem escrever o nome...

Agora, imagine chegar aos onze e doze anos com quatro anos passados por essas e outras humilhações – ser chamado de porco pelos outros, porque alguns faziam barulhos de gazes com a boca e o acusavam de ter cometido tal gafe (e por ser gordinho também), sendo apontado, inclusive, pelo professor, enquanto todos riam; ser jogado dentro de uma lata de lixo redonda enorme, porque é um porco e merece ficar junto do lixo, e, quando se levanta, está todo sujo e todos a sua volta riem, riem, riem... E, dessa vez, não é a sala que ri, é toda a escola, e ele é lembrado como o garoto do lixo sempre; por onde passa é apontado e causa risos – e, ainda assim, passar por isso até os treze anos, quando tudo começa a melhorar, mas não porque os insultos param, e sim porque o garoto já sofrera tanto, já chorara tanto (até os treze anos, quando se via em tal situação, a única reação do garotinho era chorar), que bloqueia qualquer sentimento, qualquer coisa que pudesse lhe causar dor futura e, assim, consiga sobreviver até o Ensino Médio (entre muita depressão e muitas quase tentativas de suicídio), onde os jovens já mais ajuizados não ligavam tanto para essas “brincadeiras”.

O que deve acontecer com o pobre garotinho que naquele momento era um (pré) adolescente? Um (pré) adolescente que achava que nunca chegaria um dia ao Ensino Médio (à faculdade, então...), porque os anos passavam tão lentamente, quando não existia nenhuma preocupação, que, apesar de que faltassem apenas dois, três anos para tal feito, era praticamente impossível que sobrevivesse até lá. Um (pré) adolescente que acreditava que existiam mutantes e que brincava com os coleguinhas que era um e que criaturas grotescas sussurravam seu nome porque queriam seu poder.

Então, o que aconteceu com o menino que virou (pré) adolescente? Ele se tornou tímido criou aversão em se expor, vivia sozinho, não tinha amigos verdadeiros (melhor amigo, então, só em sonhos – ou em orações, porque era o que mais pedia, até descobrir o que era um escritor, embora soubesse o que eram livros e os lia, os devorava, pois eram seu único refúgio). Com mais humilhação, mais dor, mais frustração, o pequenino se fechou de uma forma que tem tanto medo de se expor que para iniciar um relacionamento tem tanto medo, mas tanto medo (sim, repeti medo para enfatizar: medo, medo, medo!) que simplesmente destrói o sentimento, o sufoca, obriga o coração a esquecer qualquer coisa boa, e se tranquiliza sozinho, e vive sozinho, e continua sozinho, porque o bom pode se transformar num mal e, disso, ele já está fatigado...

Um pequenino que, apesar de ter o espírito de professor (todo escritor tem um), tem a mente assombrada por um fantasma passado que o bloqueia de qualquer exposição e, assim, se desespera (e se despreza por isso) quando se vê diante de uma plateia ávida – ou nem tão interessada assim, mas que causa a mesma reação por ser apenas plateia. Um pequenino que se tornou ansioso e que para se acalmar come mais e mais... Um pequenino que não pode nem pensar em seminários, em dar aulas, em palestras que já começa a tremer, a suar, a gaguejar, a sentir enjoo... Um pequenino que terá eternamente uma ferida latente que quando remexida ainda lacrimeja...

É por tais exemplos, sanguinários e dolorosos para quem já sofreu (e sofre) com esses problemas, que é preciso que seja reforçado e afirmo categoricamente: o bullying deve ser, sim, mais e mais falado, esclarecido para que seja combatido e destruído. Se não, pelo menos diminuído, para que novos pequeninos não se tornem problemáticos como o exemplificado se tornou e sofre para conseguir se consertar. Afinal, há algo mais precioso que uma criança em processo de formação, de descobrimento?

Tiaggio
Enviado por Tiaggio em 19/01/2012
Código do texto: T3450292
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