O milagre do ladrão - Parte 1

Logo ao raiar do dia o grito da criançada correndo pela rua já podia ser ouvido por toda a vizinhança. A diversão, vista para muitos como algo tão insubstituível nesta fase da vida, não causa problemas para os moradores. Quase tudo era permitido, jogar bola, carrinhos de rolimã, pular corda, amarelinha, andar de carroça, brincar de esconder, de pegar e outras brincadeiras do gênero. Todas as crianças da rua eram felizes e adoravam brincar durante todo o dia, era o trabalho diário destes pequeninos.

Fora deste círculo de alegria, um garoto de seis anos de idade não achava as brincadeiras tão agradáveis assim. Seus ouvidos se irritavam quando escutava os sorrisos vindos lá de fora. Era como um choque, que não doía na pele, mas sim no seu coração. O garoto era paralítico, limitado a apenas ficar sentado em sua cadeira de rodas. A mãe, por sua vez, fazia de tudo para animar a vida de seu amado filhote. De vida miserável, com apenas o suficiente para comer, a família acreditava que um dia um milagre divino iria curar o filho.

A esperança, parecendo uma doença contagiosa, era passada para todos da casa, até mesmo para ele, que desejava saber como era esse tal de Jesus Cristo que sua mãe tanto lhe falava. Todas as noites, sempre antes de se deitar, a mãe ensinava a orar. De mãos juntas, os dois na beirada da cama pediam para o senhor Deus que curasse a criança o quanto antes, para que junto de seus amigos pudesse brincar.

— Venha filho, é só você fazer igual à mamãe. — Disse ajoelhando-se ao pé da cama ao lado de seu filho que estava deitado. — Senhor Jesus, peço-te que venha e traga para meu filho, uma inocente criança que sequer sabe o que é o pecado, que de a ele apenas uma oportunidade de aproveitar pelo menos a infância. Se que é isso pode ser feito, eu lhe imploro meu Senhor, ponha a mim em seu lugar, permita-me que eu viva sobre uma cadeira de rodas em seu lugar. — Dizia a mãe em sua oração noturna.

— Eu não entendo mamãe, se é verdade que este tal de Jesus Cristo que a senhora tanto fala vem para me curar, pode me dizer como ele é afinal? — Perguntou o menino pronto para dormir.

— Ora meu filho, nosso Senhor Jesus é um velhinho muito, mais muito podre mesmo. Ele tem barba cumprida bem maior que a do seu pai, e o cabelo é tão branco quanto a neve. — Respondeu a mãe ainda abalada após sua oração, com o rosto todo molhado de lágrimas. — Tenha fé filho, um dia ele irá vir lhe curar! — Exclamou cheia de esperança.

O filho já estava dormindo quando seu pai chegou do trabalho. Em sua bagagem trazia frutas e um pedaço de carne para o almoço de amanhã. Cansado, o pai foi até o quarto do menino e lhe beijou o rosto abençoando-o. Sentados os dois do lado de fora da casa, sob o céu estrelado e a lua nova radiante, o pai e a mãe faziam os cálculos para saber com fariam para pagar todas as dívidas do mês.

De profissão honesta, servindo a um patrão numa fazenda bem próxima de sua casa, o pai não ganhava muito mais do que um salário, e a mãe passava e levava roupas para os vizinhos. A renda não era das maiores, no entanto, não tinham do que reclamar. Felizes, o casal se retirou para dentro a fim de descansar.

— Tudo vai dar certo mulher, tenha fé! — Exclamava o marido sempre antes de se deitar.

Enquanto isso, não muito longe dali. Um senhor, também pai de família, buscava um jeito não muito honesto para sustentar a casa. Adentrando as escondidas, sempre depois da meia noite, sem fazer barulho para não acordar os proprietários. Roubava tudo o que podia carregar em seus braços e na sacola. Os alvos favoritos eram as sedes das grandes fazendas da região, habitadas por ricos e pessoas despreocupadas com suas contas.

Naquela noite seu trabalho lhe resultou num monte de lucros ilícitos. Tamanha foi à quantia que recebeu após ter revendido tudo para um sujeito mascarado que sequer merecer entrar neste conto com detalhes maiores do que estes já citados. O ladrão arrumou dinheiro o suficiente até mesmo para poder comprar suas terrinhas e ter uma vida digna de trabalhador, mas para ele tal atividade não agrava, era esforço demais para seu corpo acostumado a lidar com arrombamentos e de dinheiro fácil.

Na manhã seguinte a notícia de que a fazenda de Seu Lindolfo havia sido roubada se espalhou feito uma epidemia. Todos na região comentavam e discutiam a falta de segurança que se passava. Quem seria o ladrão que estava roubando as propriedades constantemente, era esta a pergunta estampada no folhetim local.

A diligência policial chegou ao vilarejo para averiguar o corrido. O fazendeiro muito abalado e nervoso por ter tido boa parte de seus imóveis levados pelos bandidos. Os trabalhadores da fazenda, atentos na movimentação enquanto limpavam os cafezais, as escondidas dos capatazes, sussurravam ao pé do ouvido:

— Tenho certeza que daqui a pouco seremos chamados para falar com os doutores da lei. —Disse um dos empregados.

— Porque diz isso Pedro? — Respondeu com outra pergunta. —Achas que estão desconfiando da gente?

— Claro Sim, afinal, o que somos para estas pessoas? — Questionou novamente.

— Somos seus empregados hora, não há porque roubar-los já que nos pagam toda semana.

— Não é disso que estou dizendo homem! — Exclamou irritado com o não entendimento do amigo.

— E então? Eu não entendo! — Respondeu confuso enquanto segurava o saco com as sementes de café.

— Para eles, nós somos pessoas de classe miserável. Não olham para nós como simples trabalhadores, mas como aproveitadores que apenas esperam a oportunidade para furtar-los.

— Não digas besteira Pedro! — Esbravejou um terceiro homem que se aproximou da conversa. — Vamos recolher logo esses cafés, ainda temos que concertar a cerca antes que o gado comece a fugir para o pasto vizinho.

— Homero, deveria saber disso melhor do que ninguém! — Retrucou Pedro.

— Nosso patrão reconhece a dignidade que temos, jamais suspeitaria de nós!

Pedro se irritou com as palavras de Homero, no entanto, ao invés de discutir, preferiu sair para o outro lado do cafezal. Após recolher todos os dados do fazendeiro e de outros proprietários locais, o delegado se retirou para a cidade. Nenhum dos empregados foi interrogado ou dado como suspeitos do crime.