Amigos de todos os tempos



Engraçado como as coisas acontecem e se desenvolvem a nossa volta, em nossa vida, em momentos que parecem eternos uns rápidos demais outros.

Quando me casei fui morar em Mauá. Saí de Santo André onde tinha vivido a minha infância, a minha adolescência, a minha mocidade, onde tantos fatos importantes haviam feito parte da minha paisagem terrena para acompanhar e viver junto com Edson.

Fui morar numa casa alugada no bairro central, onde os pais dele tinham morado até aqueles dias e mudaram-se, pois haviam finalmente conseguido comprar a tão sonhada casa própria. Era uma casa com uma bela sala, ampla, um quara também grande, uma enorme cozinha, uns quintais enormes com cravos e rosas, belíssimas samambaia, herança da sogra. Senti-me morando num palácio. Só eu e ele naquele casarão...Às vezes sentia até remorso por morar numa casa tão grande e meus pais morando tão apertado naquela casinha, minúscula.

O tempo passou e veio a Eveline, minha filha mais velha. Menina saudável, moreninha, cabelo encaracolado. Muito bonita.Em um ano estava uma criança fortíssima, já andando pela casa, fazendo estripulias.

Foi uma felicidade ouvir suas primeiras palavras: mamãe, papai, vovó, vovô. Falava com aquela boquinha tão pequena, e som da voz parecia sair do céu. Foi a suprema realização:
Sermos pais.

A Eveline tinha tudo o que podíamos dar e, quando queria algo que não podíamos os pais do Edson, tias dele logo dava um jeito de realizar seu pedido, suas vontades.

Foi para o Jardim da Infância com três anos e já tinha uma irmã de um ano a Idem Priscila.
A Eveline era muito sozinha, não tinha criança para brincar a não ser na escolinha.

Várias vezes surpreendi-a falando e gesticulando com as “paredes”. Indagada com quem estava falando ela dizia que era sua amiguinha. Uma amiguinha invisível para nós com nome e tudo. Biene era o nome dessa amiguinha.

Na época eu era tão boba que tinha medo. Achava que ela falava com fantasma, que precisava de tratamento médico, talvez de um psicólogo.

Conforme ia crescendo a amizade também ia crescendo. Não saíamos de casa sem levar a Biene junto. Caso contrário o chororó era inevitável. Eu ficava arrepiada dos pés à cabeça.
Às vezes chegava a dar pavor de ficar em casa com a sensação de que a Biene estava lá, espionando tudo e todos. Porém, a amizade era tranqüila, a Di não chorava, não brigava com a sua querida amiga.

Nesse tempo e Edson conseguiu comprar o primeiro carro, um gordine, azul, lógico , claro e evidente que era um carro pra lá de velho. Fomos dar uma volta, a família busca pé no gordine. A Di não queria ir porque a Biene não tinha chegado e tinha marcado com ela que vinha. Resolvemos dar um tempo e esperar a Biene chegar. De repente a Di fala, toda feliz, pulando de alegria: “Depressa , Biene, nós vamos te levar para passear”. Não sei como não morri de medo. Todos os meus cabelos arrepiaram-se. O Edson me olhou desconfiado.
Será que a Di está doente? Vamos levá-la ao médico.
A mão do Edson dizia que era normal, falta de amizades, que ela era sozinha.Que a gente se preocupava à toa.
Comecei então a indagar na escola, com outras colegas, o que poderia estar acontecendo e me deram livros para ler, indicaram tantas leituras que eu não dava conta de ler e minha cabeça virou um balaio, uma confusão.
Aí me deram o livro Nosso Lar, de André Luiz, psicografado por Chico Xavier, para eu ler e entender o que estava acontecendo. Li e goste demais. Entendi e descobri que temos e, principalmente as crianças, amigos e inimigos de outros tempos de outras eras. Que podem nos encontrar e querem nos ajudar se forem amigos.

Era o que acontecia com a Di, um antigo afeto a tinha encontrado e queria reaver os laços de amizade, de amor. Deviam ter sido grandes colaboradoras uma da outra pelo apego que a Di demonstrava com a “criança”. Abria a porta sem quê, nem pra quê pra Biene entrar, dava beijinhos nos ar, abraços no ar. Gelava a alma. Depois a Biene ia embora, ela abria a porta, despedia: tchau, volta amanhã!. Só saí de casa e me deixava fechar a porta se a Biene já tivesse passado, caso contrário ela gritava: você não esperou a Biene está chorando, não quer ficar sozinha, mãe! O mesmo acontecia no carro, não deixando fechar a porta enquanto a amiga não entrava. Uma confusão! /eu toda confusa não sabia como lidar com a situação. Temia estar incentivando algum descontrole emocional ou psicológico.

A leitura dos livros que, inclusive a madrinha dela me deu para ler clareou a mente. Percebi que não só ela, mas todos nós temos nossos amigos que nos acompanham, nos ajudam e amparam. São nossos anjos de guarda.

Mas o tempo passou, Di diz que a Biene de em quando aprece, mas não nos conta nada mais. De vez em quando sonha com sua amiga. Disse certa vez que a Biene até a ajudou algumas vezes. Fico perplexa. Com certeza absoluta ela tem amigos de outras jornadas e de outros tempos.