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EU ACHO...


Eu acho que  a morte deveria ser encarada com mais naturalidade, desde que somos crianças. Acho que deveria ser matéria de currículo durante toda a vida escolar. As crianças pequenas deveriam ser convidadas a conversar sobre a morte de seus animaizinhos de estimação de uma forma natural, sem dramas, e estimuladas a dizerem como se sentem. Os professores poderiam passar por treinamento psicológico a fim de explicar a morte física, dizendo que ela acontece a tudo e a todos que estão vivos, e que é não apenas inevitável, mas também necessária.

 

Adolescentes deveriam ser levados em visita a hospitais, onde pudessem conversar com pacientes terminais e participar de programas voluntários. Mais do que apenas "Vovó foi para o céu" e "O cachorrinho está no sítio," deveríamos ser estimulados a conviver com a verdade da morte - não falo aqui de religião - como algo físico e inevitável, pois assim, acho que perderíamos o medo dela, e sentiríamos uma dor mais conformada quando chegasse a hora de nos despedirmos de alguém. Também nos sentiríamos mais estimulados a valorizar a vida e as pessoas que nos cercam, pois teríamos a plena consciência de que um dia elas nos deixarão - ou nós as deixaremos.

 

Mas a morte é tabu; é considerada a pior coisa que nos pode acontecer. É negada e sublimada durante toda a vida. Construímos um mistério em volta dela,  fantasiamos e enfeitamos a morte. Somos acostumados a acreditar que seremos eternos, que ela nunca chegará, e que - pior ainda - só acontece aos outros. Mas finalmente, quando nos vemos diante dela, crescem o desespero e o medo. Não sabemos lidar com toda a carga que socamos lá para o fundo de nós mesmos durante todos esses anos. O que deveria ser encarado como inevitável e natural, torna-se um trauma, e um drama. A vida perde a cor quando descobrimos que o cachorrinho não foi para o sítio, e que a vovó não está dormindo.

 

Vemos situações nas quais pacientes com câncer tem a verdade escondida deles. Poderiam fazer alguma coisa que planejassem antes de morrer; uma viagem, se possível, escrever um poema, reconciliarem-se com alguém, enfim... qualquer coisa para que pudessem despedir-se adequadamente, da maneira que desejassem; mas como aprendemos e ensinamos que a morte é horrível, mentimos para eles; dizemos que ficarão bons. Acho isto errado... mesmo assim, compreendo que em vista da maneira como somos educados a respeito da morte, esta pode ser a única forma de agir: negando-a a té o fim.

 

Dizem que existe vida após a morte, no que eu às vezes creio -não sei se por uma certeza atávica e sublimada, ou se por influência externa, ou até mesmo, fuga -mas às vezes, não; porém, mesmo que tivéssemos absoluta certeza de que isto é possível, em nada nos consolaria da ausência real daqueles que amamos. Porque não existem telefones ou internet para o Outro Lado, e nossas crenças vão de encontro à parede das possibilidades remotas (ou não).

 

Acho que as UTIs são desumanas, quando nos tiram a liberdade de morrer com dignidade, ligando nossos corpos a aparelhos que inflam ar à força dentro de nossos pulmões. Antigamente, as pessoas morriam em casa, quando chegava a hora delas. Hoje, ficam suspensas por máquinas, até que suas peles cubram-se de feridas e toda a dignidade de seus corpos se extingua. Olhamos para elas, e nem sequer as reconhecemos, não vemos naqueles corpos os corpos que nos sorriam, caminhavam entre nós, eram pessoas.

 

Cobrimos a morte com um véu de mistério e esperança, quando a morte é apenas... a morte. Pelo menos, para este mundo. E se há um outro, ou outros, não há como estabelecermos contato com ele(s). Acho que precisamos aprender a dizer adeus e seguir em frente. Eu ainda não sei fazer isto.


Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 14/01/2013
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